Quer me sinta bem ou mal, feliz ou triste, o meu aniversário é sempre um dia especial.
Acordo de manhã e sinto uma aura inexplicavelmente agradável à minha volta, como se estivesse destinada a ser apaparicada por toda a gente, conhecidos e desconhecidos, por um dia inteiro, pelo simples facto de ter nascido há x anos. Saio para a rua sorridente, como se o mundo estivesse mais belo e como se na minha testa estivesse escrito: «Hoje faço anos. Mimem-me!»
É óbvio que, à medida que as horas passam e as pessoas com quem me cruzo demonstram ignorar completamente o facto de me deverem tratar especialmente bem, à medida que me vão acontecendo percalços e incidentes que desmentem a minha teoriazinha e chegam a deitar por terra a minha boa disposição, acabo por me consciencializar de que se trata, afinal, de um dia igual aos outros. Isto no que toca à tal aura mágica, claro. Porque os amigos e a família nunca se esquecem de me telefonar e alguns até insistem em ver-me nesse dia, para me felicitarem pessoalmente.
É então aí que se me coloca o grande dilema: o que fazer?
Quase toda a gente que conheço gosta de reunir os amigos e ir jantar fora. É uma boa maneira de ver as pessoas de quem gostamos e que gostam de nós, sem ter trabalho e gastar dinheiro a preparar uma recepção em casa. Quase toda a gente que conheço, também, fica satisfeita com esse tipo de iniciativa e adere de bom grado. Os mais “tesos” declinam educadamente o “convite” para jantar fora, mas fazem questão de aparecer no fim da refeição, à hora do café.
Porém, a mim não me agrada muito fazer este pseudo-convite aos amigos: chateia-me obrigá-los a gastar dinheiro duplamente, porque, além de terem de pagar o seu jantar, eles não vão aparecer sem uma lembrança e, hoje em dia, qualquer coisa decente para oferecer custa uma quantia considerável – pelo menos do meu ordenado. E escusam de me dizer que até parece mal estar a contar com presentes... porque eu até preferia que não se incomodassem. O problema é que os amigos não encaram isso como um incómodo, e têm gosto em dar alguma coisa a quem faz anos (eu também tenho, quando sou a amiga do/a aniversariante). No tempo das vacas gordas, eu oferecia o jantar e, assim, sentia-me bem melhor com a minha consciência. Mas hoje não posso fazer isso.
Por outro lado, há a delicada questão da escolha dos felizes contemplados: se começo a telefonar aos amigos todos, acabam por ser mais de vinte e não consigo falar com todos durante o jantar, o que sempre me deixa uma certa insatisfação após o evento. Se digo apenas a uma pequena parcela, para que o jantar seja mais íntimo, corro o risco de me sentir mal por deixar alguns de fora, ou até por ter de lhes mentir, porque eles também vão telefonar a perguntar o que faço nessa noite.
Estes meus dilemas, de que me alimento de forma absolutamente viciada, fazem-me lembrar um anúncio que se ouvia há tempos, em que um homem nunca decidia nada, porque via o lado bom e o lado mau de tudo, ficando em permanente hesitação. É claro que eu só tenho até determinada altura para hesitar; a partir daí, se não telefonei aos amigos, não há jantar nenhum. Mas a mim parece-me que deve haver uma terceira hipótese de que ainda não lembrei. Algo mais original e “leve” para todos... ?