26/01/07

PALPITES DA TRETA



De uma maneira geral, as pessoas adoram dizer coisas.
E se há coisa que as pessoas (ok, as mulheres...) ADORAM fazer é dar palpites sobre as grávidas e os bebés que ainda não nasceram.
Sinceramente, não percebo a necessidade, nem essa irresistível vontade de alvitrar sobre o que não interessa nem vale a pena alvitrar.
Se a barriga já está grande, dizem logo que é normal; mas se está pequena também concluem que é normal. Se começa a ter a uma forma arredondada, é menina de certeza. Se é mais pontiaguda, é rapaz pela certa. Se a cara da mãe tem manchas ou borbulhas, também é rapaz. Se a mãe tem muita azia, então já é rapariga. Se tem mais fome, rapaz. Se tem mais sono, rapariga. Safa!
E quando a grávida tem borbulhas, fome, sono, azia e barriga de forma incerta, como é que é?! É um marciano? Ou uma abóbora?

17/01/07

A fé dos que não a têm




É bonito acreditarmos em coisas que não se vêem e sobre as quais não há nenhumas certezas, nenhumas provas. Permite-nos diferenciar-nos do vil materialismo, dos limites da objectividade e da racionalidade.
Afinal, se ninguém sabe ao certo a que propósito é que aqui andamos; por que razão nos atarefamos tanto em produzir e teorizar, se vamos todos desaparecer e provavelmente o nosso planeta também; se ninguém pode saber onde acaba o universo, porque é que ele existe e se realmente há alguma entidade superior responsável pela sua criação, não faria sentido vivermos como se soubéssemos, ou vivermos como se essas respostas não nos interessassem.

A nós, adultos, fica-nos bem uma boa dose de espiritualidade, de idealismo. Mesmo quando somos inabaláveis na nossa vontade de resumir tudo ao acaso e de aceitar com estoicismo que somos insignificantes grãos de poeira, cuja actividade não vale absolutamente nada perante a fria imensidão do universo.

Penso que é importante transmitirmos aos nossos filhos, se não a certeza, se não a crença, pelo menos a esperança de que haja mundos para além daquele em que podemos ver, ouvir, tocar, sentir. É bom que eles acreditem que há mais qualquer coisa, já dizia Saint-Exupéry no seu sobejamente citado e conhecido Principezinho.

É bom que eles se possam apoiar nessa ideia, quando tudo o resto falhar, quando viverem momentos particularmente difíceis ou quando acontecer questionarem-se sobre o sentido que parece não existir na vida, tal como a conhecemos.

Mas será fácil?

Claro que não é, sobretudo no mundo em que hoje vivemos, sobretudo quando os pais são ateus, ou pelo menos agnósticos. Custa-me impingir-lhe teorias que não são as minhas, que estão associadas a uma religião com a qual não me identifico. Custa-me igualmente construir uma versão mais minha, mais "livre", mas que faz surgir mais perguntas do que respostas, mais inquietação do que paz de espírito.
Ainda assim, tento. Porque vejo a expressão profundamente assustada e confusa da minha filha quando se depara com a ideia da morte, da velhice, da impotência dos seres vivos perante o seu fatal destino. Custa.
Mas vale a pena insistir.

10/01/07

O LUGAR QUE AS COISAS ESCOLHEM


Há objectos cá em casa que a tornam única.

Não são os móveis nem os bibelots, nem mesmo os quadros que enfeitam as paredes.
Não são as nossas coisinhas pessoais, que afinal poderiam ser de qualquer outra pessoa, noutra casa.
Nem sequer são propriamente os objectos em si, mas os lugares onde eles aparecem: é a insólita combinação entre a coisa e o sítio onde está. É isso que me divirto a observar na minha própria casa e às vezes nas dos outros.
Na casa-de-banho, ao lado do lavatório, repousam permanentemente a saia e as cuecas da Anita. Sempre que decido vesti-la e arrumá-la, a Mecas volta a decidir dar-lhe banho e as roupinhas lá ficam, no lugar onde me fazem sorrir.
No nosso quarto, um pouff e uma cadeira estrategicamente posicionados entre a cama e a parede, num ângulo improvável, com o objectivo permanente de impedir o cão de se deitar debaixo do cortinado e de o sujar em consequência disso.
No escritório, uma caixa de tupperware de dono desconhecido, que veio cá parar a casa porque alguém pensou que era nossa. Mora provisoriamente em cima da secretária, enquanto não encontra o seu verdadeiro lar.
Na sala, um retrato a pastel de um São Bernardo, ou outro trabalho qualquer, que vai sendo feito aos poucos e por ali fica durante alguns dias.
Na mesa da cozinha, jogos, livros infantis ou bonecos, ou ainda adereços de bonecos, que ali permanecem porque estão constantemente a ser requisitados como distracção, antes e durante as refeições. Dentro da cristaleira, argolas de guardanapo que se partiram e nunca serão coladas, bonequinhos da árvore de Natal com um braço por soldar. No cestinho das cebolas e dos alhos, a caixa de comprimidos para a próstata que o cão toma diariamente.
Ocorre-me que o lugar que as coisas escolhem - ou que parecem escolher - é aquilo que torna a casa mais nossa. É aquilo que fala de nós, no espaço em que vivemos.

07/01/07

É MAU, FAZ MAL, MAS SABE BEM!


Uma pessoa que seja minimamente criteriosa nas suas escolhas alimentares, no sentido de comer o que faz bem à saúde (ou menos mal), prefere alimentos ditos "biológicos", ou seja, confeccionados com ingredientes naturais e desprovidos de aditivos artificiais.
Um pessoa que se considere minimamente bem formada acha que sabe distinguir os alimentos saudáveis dos nocivos, com base nesse critério. Não tem dúvidas de que o frango do campo é preferível ao frango proveniente de um aviário industrial, por exemplo - ainda que não saiba dados concretos sobre a vida particular de cada frango que come (quantos dias viveu, quantas horas passou ao ar livre, o que comeu, etc.).
Essa pessoa não se deixa enganar, por exemplo, pela astuciosa publicidade da Mac Donald's na televisão e nas revistas, que tenta convencer o público de que os hambúrgueres são feitos de vaquinhas que pastam placidamente em campos verdejantes e de que os vegetais são fornecidos por agricultores à moda antiga.
Essa pessoa sabe muito bem que a comida do Mac Donald's, assim como a de muitos restaurantes e cantinas, é feita com base em animais e vegetais que cresceram à custa de hormonas, fertilizantes, produtos químicos e sabe-se lá o que mais e que são confeccionados de forma a que o aspecto e o sabor sejam do agrado dos consumidores, mesmo que isso só se consiga à custa de técnicas e "acrescentos" artificiais. Aliás, sabe que hoje em dia, se quiser ter a garantia de estar a consumir um alimento 100% natural, tem de o criar ou cultivar por si.

Mas será que essa pessoa não vai, MESMO NUNCA, ao Mac Donalds?

Quantos de nós sabemos que é mau, que não faz bem, que há sempre uma opção melhor, mas mesmo assim vamos lá de vez em quando e até gostamos daquilo?