31/12/06

Resoluções de Ano Novo

Por qualquer razão estranha, as pessoas tendem a pensar que se poderão tornar melhores de um ano para o outro (ou melhor, de um momento para o outro), só porque começa um ano fresquinho, novinho em folha, acabadinho de sair da grande máquina do tempo.

Chegam ao fim do ano que está quase a expirar e apercebem-se de que não deram o seu melhor: nem à família, nem aos amigos, nem a si próprias. Cada ano novo é uma nova oportunidade que a vida lhes dá de tentarem mais uma vez. Fazerem resoluções de ano novo é consciencializarem-se (mentalmente ou por escrito) de que há n coisas que precisam de melhorar em si.

Pessoalmente, devo confessar que me sinto tentada a fazer isso, em todos os finais de ano. Não me faltam pontos fracos que tenho a certeza de que podem ser “trabalhados”, com esforço e paciência. Não quer dizer que não me lembre de todas essas coisas durante o resto do ano, mas há qualquer coisa de especial e solene no “reveillon”, que me leva a querer perspectivar as coisas com maior rigor e seriedade, que me leva a fazer promessas (que depois, invariavelmente, não cumpro).

Claro que não faz sentido nenhum fazer anualmente promessas que não tenciono cumprir (sobretudo porque ninguém me obriga a fazê-las!), mas isso não me faz parar de seguir esse estranho ritual de auto-engano. Faço-o porque algo me impele a isso, talvez para encontrar alguma paz de espírito durante a festa de Ano Novo. É bom acreditar que podemos ser melhores, fazer os outros mais felizes. Nem que seja apenas durante umas breves horas de euforia e optimismo.

Este ano, porém, não consigo verbalizar banalidades como "estar mais com os amigos" ou "dar mais atenção à família" sem pensar que estou a ser hipócrita, por saber de antemão que tudo vai continuar como antes. Em vez disso, talvez seja melhor fazer uma resolução deste tipo: "ser mais honesta comigo própria." E, assim sendo, não fazer mais nenhuma resolução.


(Nota: escrevi este texto a 31.12.2004 e nunca cheguei a publicá-lo no blog que tinha na altura).

30/12/06

A BELEZA DA FEALDADE



A convivência tinge a realidade.

Um local qualquer pode ser feio, sujo e desagradável.
Mas a rua em que vivemos é a nossa rua. Ao ser nossa, ao oferecer-nos a segurança de sabermos o caminho de olhos fechados, de sabermos de cor os tons das paredes, os textos dos grafitti, vai-se metamorfoseando lentamente em coisa boa. Estranhamente bonita. Feiamente bonita, mas ainda assim bonita. Bonita talvez apenas quando a reencontramos de novo, ao fim de uma longa ausência.

28/12/06

SUSPENSÃO





Escritório atafulhado de presentes de Natal que ainda nem saíram dos sacos em que vieram cá para casa.
Vontade de trabalhar, mais do que de arrumar tralha. Impossível, enquanto a tralha não sair da frente.
Aversão ao pc, aos blogs, a escrever estes posts com que me esforço ingloriamente por mostrar o meu direito e o meu avesso.

21/12/06

Tive uma visão


Estou calma e sinto-me bem.
Vejo o lado bonito, agradável, tranquilo da ocasião.
A minha filha está feliz e isso é mais de meio caminho andado para que eu me sinta feliz também.
A casa está bonita, quente e confortável. As pessoas à minha volta mostram-se contentes, excitadas como crianças. Não é impossível deixar que o pensamento salte sobre o momento e começar já a pensar no depois, na trabalheira, no cansaço, no tempo perdido. Mas é completamente desnecessário e inoportuno. Para quê?
A comida é saborosa e ninguém se esquece de elogiar a cozinheira. A troca de presentes decorre com a euforia do costume. Como se gravitasse sobre as cabeças dos outros, observo tudo à minha volta e quase me abstraio do que está a acontecer, sucumbindo à tentação de conjecturar sobre o futuro, ou simplesmente de me evadir para outro lado, onde possa estar só.
Puxo uma orelha imaginária, numa reprimenda gentil, que me obriga a encarar a confusão de falas, de cores, de gestos, de risos, mas sentindo-me parte desse todo caloroso, enérgico, positivo.
Concentro-me no momento presente: olho os meus familiares nos olhos e descubro neles uma luz, uma vida em que nunca tinha reparado, pelo menos de forma tão consciente. Eles são bons. Eles gostam de mim. Eles estão dispostos a abraçar-me, se eu deixar. Já tinha pensado nisso? Mas não é altura para me censurar.
Uma lágrima turva-me a vista. Dou um salto à casa-de-banho e sorrio ao espelho, enquanto deixo que ela se liberte. Atrás da primeira, caem mais três ou quatro. E sabem bem. Salgadinhas, como eu gosto.
Volto à sala e sorrio. De imediato, alguém sorri para mim. Apercebo-me do efeito contagiante (porque não mágico?) do sorriso, da simpatia, da boa disposição. Tem de ser genuína, claro. E afinal é fácil deixar as sombras esvaírem-se para trás dos móveis, com a luminosidade, o calor do encontro. E é surpreendente ver como todos, mais do que em qualquer outra época do ano, se esforçam por agradar e por ser felizes.
Independentemente de acreditar que Jesus era filho de Deus, sei que isso vale a pena.
Vai ser assim, este Natal.

20/12/06

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Estes são os palavrões que não quero transcrever aqui.

Hoje já disse muitos.

Estava a arrumar o quarto da minha filha, furiosa com a tralha toda que me impede de chegar à janela para sacudir um lençol, de fazer a cama como deve ser. Irritada com a quantidade de brinquedos que não servem para nada, por serem demasiados. Frustrada por não conseguir dá-los a crianças que gostariam de poder brincar com eles, só porque foi alguém especial que os ofereceu, ou porque ela diz que ainda os quer.

Não quero dizer mal do Natal.

Mas também não posso dizer que aguardo com expectativa e optimismo o dia em que amigos e familiares vão sorrir enquanto nos presenteiam com mais vinte objectos que eu preferia não ter.


18/12/06

NUS E SOMBRAS

Li há tempos um texto dos Cadernos de Lanzarote em que Saramago se mostrava momentaneamente preocupado com o facto de estar a dar-se demasiado a conhecer ao mundo, através dos seus diários.

Já o ouvi muitas vezes falar em público e ressalta do seu discurso a vontade de se revelar, de se expor – que de resto será comum a quase todos, senão a todos, os escritores. Uma vez, ele disse mesmo isto: «No fundo, creio que a única coisa em que penso é em dizer quem sou.»

Mas também é natural que se questione sobre aquilo que revela, sobre os eventuais limites da inconfidência. Afinal, ao publicar os seus diários, o autor está a permitir que as pessoas do mundo inteiro – amigas e inimigas, conhecidas e desconhecidas – saibam coisas dele que talvez não devessem ter passado para fora do círculo da sua intimidade. É natural que haja momentos em que se arrependa do que escreveu. Mas vai escrevendo sempre, porque é mais forte a vontade de se revelar do que a necessidade de manter o essencial, ou o mais íntimo, ou o menos próprio, na escuridão.

Ainda no mesmo texto, um amigo deu-lhe a resposta de que ele precisava, para reencontrar a paz de espírito quanto às suas revelações: no fundo, o que ele mostrava nos cadernos era apenas uma sombra de si, um contorno. Tudo o mais permanecia oculto.

Eu não sou escritora e acho que nunca o serei. No entanto, partilho com os escritores esta estranha vontade de me despir através da escrita, de me dar a conhecer até ao mais ínfimo pormenor – mesmo para além do contorno, apontando um foco de luz para as zonas que jazem na penumbra. Por vezes, coíbo-me. Faço um esforço consciente para não dizer tudo, e principalmente para não contar aquilo que depois possa ser usado contra mim. Mas custa-me. A tentação de me revelar ao mundo é muito grande e, quando o faço, sinto-me inexplicavelmente bem. Como se, ao contar-me, pudesse finalmente compreender-me. Ou como se, apenas expondo-se, a minha pessoa fizesse sentido. Ou como se, ao dizer toda a verdade sobre mim, pudesse exorcizar aquilo que me incomoda e redimir-me através da confissão pública.

Porque as coisas piores, as mais sórdidas, as menos apropriadas, as mais estapafúrdias, as menos abonatórias são as que eu mais gosto de revelar. Não tenho vergonha e sinto-me perfeitamente à vontade com todos esses defeitos e essas idiossincrasias, embora tenha noção de que muita gente prefere não saber tudo a meu respeito. E é por respeito, também, que não lhes conto tudo, que não as obrigo a verem-me inteira, tal como sou. Mas apetece-me.

Lembro-me de ler as confissões de Rousseau e de ter achado espantoso o seu despudor em admitir ter sentido, pensado e feito coisas que não eram minimamente adequadas, com a simplicidade de quem diz: «sou assim, o que hei-de fazer?». E lembro-me de me ter identificado com ele por isso mesmo.

Sou uma espécie de stripper verbal, mas com pouco jeito para a dança e com um “corpo” feio de se ver. E sem vergonha! O que hei-de fazer?

16/12/06

Querida amiga,




fui ontem aos CTT enviar-te aquilo que prometi. Estava imensa gente à espera, como não podia deixar de ser. Um ambiente pesado, os cheiros misturados das pessoas obrigadas a respirar o mesmo ar saturado. Os funcionários com o ar de sempre: um misto de desprezo por quem está do lado de cá do balcão, a obrigá-los a trabalhar para além do horário normal, e de simpatia forçada, talvez apenas por causa da época.

Depois de ter esperado pacientemente que as 20 pessoas à minha frente fossem atendidas, chegou a minha vez.
«Correio azul ou normal?»
Desculpa, amiga. Talvez o meu presente não chegue às tuas mãos antes do Natal. Mas recuso-me a pagar mais (nem sei quanto mais, não é isso que está em causa) para que os funcionários dos CTT façam o seu trabalho em tempo razoável. Faltam 5 dias úteis para o dia 24. Será exigir demasiado esperar que a encomenda chegue aí numa semana?
Eu não reclamei, claro. Mas aborreceu-me que a funcionária declarasse, a sorrir, que não acreditava que o pacote chegasse ao destino antes do Natal. Não me parece correcto dar mais dinheiro aos CTT, sob o pretexto de que nesta época têm mais trabalho, quando os funcionários - que são quem realmente tem de fazer um esforço extra - provavelmente não recebem nem mais um tostão.
Afinal, é assim na maior parte as profissões. Infelizmente, quase ninguém ganha mais quando há mais trabalho. Era bom, era!...

Bom Natal para ti, amiga. E que a minha lembrança chegue, tarde ou cedo, para que aí tenhas um poucochinho de mim.

Desculpa a forretice da tua amiga com costela escocesa (por acaso não tenho, mas parece),

eu!






11/12/06

FUGI


Estive fora.
A todos os que me ligaram, obrigada. Desculpem não ter atendido, mas confesso que não andei de telemóvel atrás... não se coadunava com o local. Ficou no quarto, a registar as chamadas, enquanto eu me deleitei na bonita tranquilidade do meu refúgio preferido.
O cheiro do campo, seja ele qual for, desde que seja de campo; o canto de pássaros livres, alguns dos quais tão misteriosos para mim como a sua linguagem; o requinte daquela casa sempre acolhedora, deslumbrante, feita de mil e um recantos mágicos onde apetece permanecer; a companhia de uma família que me adora e que eu adoro... o que mais poderia eu desejar no meu aniversário?

07/12/06

NÓDOAS INDELÉVEIS

Aborrecer os outros é das coisas que mais me incomodam, sem contar com as outras todas de que agora não me lembro.

Pertenço àquele tipo de pessoa que, não fazendo propriamente um grande esforço para agradar os outros (começam as contradições...), fica extremamente incomodada ao perceber que eles estão desagradados consigo.

Depois vêm os remorsos, pelo que fiz ou disse, o medo de que não gostem mais de mim, a ânsia de fazer alguma coisa que me redima. E a seguir vem a amarga consciência de que, faça o que fizer, nada poderá alterar a minha falta, apagar o meu erro, anular a minha desconsideração.

Ainda assim, algo em mim me impele a tentar tapar o vazio deixado no lugar da minha atitude lamentável com palavras mansas, com actos de boa vontade, com ofertas generosas. Mas, por mais “mimos” que tente dar à pessoa que ofendi, nem ela nem eu vamos esquecer o que se passou.

Por mais vezes que tente lavar o tecido, a nódoa vai sempre notar-se. Nem que os outros digam que não se nota nada, como convidados cordiais referindo-se à toalha de mesa da anfitriã, eu sei que as nódoas lá estão. Mesmo quando ninguém lhes parece dar importância, escondidas debaixo das travessas com deliciosas iguarias.

Assim são os tecidos das minhas relações com os outros... :(

04/12/06

PRIMEIRO AS SENHORAS


Acabo de devorar, em poucas horas (e leio devagar!) um livro tão divertido e bem escrito que não resisto a deixar aqui o apontamento e a sugestão - porventura como presente de Natal, bem em conta, por sinal.
Se não é hilariante, pelo menos dá para soltar três ou quatro boas gargalhadas, coisa que nem todos os autores de livros cómicos se podem gabar de conseguir. Se não é um policial, pelo menos consegue agarrar-nos logo no primeiro capítulo, rendidos à irresistível curiosidade de saber como se irá desembrulhar aquela original história, contada pelo protagonista em jeito de diálogo a um Inspector silencioso. Este vai escutando o relato dos estranhos acontecimentos que fazem do maroto Edgar ao mesmo tempo a vítima e o suspeito da autoria de um misterioso rapto.
E mais não conto, para não estragar a surpresa de quantos o queiram ler. Divirtam-se!
E parabéns ao Mário Zambujal que, sendo igual a si próprio, nunca cansa, pelo contrário.


PS - Falta acrescentar que este livro me foi emprestado por um aluno, que me perguntou se estava interessada em lê-lo e se lembrou de mo trazer hoje. É por essas e por muitas outras que adoro ser professora!

02/12/06

PIQUENIQUE LILLIPUTIANO


Que prazer tão grande, preparar um pequeno almoço em miniatura!
Realmente, lembro-me de, em pequena, achar sempre mais interessantes os preparativos para as brincadeiras com bonecas (montar a casa, organizar a mesa...) do que a brincadeira em si, da qual logo me fartava.

E quando a minha filha me pediu para "ser" uma Bratz e fazer um piquenique com a Anita, nem precisei que ela dissesse mais nada: fui à cozinha procurar alimentos que pudessem caber nos minúsculos pratos e chávenas e deliciei-me a barrar compota em mini-tostas e a deitar iogurte líquido no pequeno bule.
Depois de o piquenique estar apetitosamente disposto na toalha, diverti-me a vê-la comer tudo com apetite mal disfarçado.

- Que gulosas, essas bonecas!
- Podes pôr mais umas torradinhas e mais iogurte, mãe...?