Circulam por aí, via e-mail, descrições nostálgicas sobre os anos 80, escritas por uma geração saudosa que se compadece dos jovens de hoje, alheios aos grandes valores da nossa juventude, como a série Verão Azul e os desenhos animados do Tom Sawyer.
Eu tinha 9 anos em 1980, por isso fico cheia de vontade de regressar à adolescência quando leio esses textos. E com vontade de falar da minha própria experiência!
Realmente, aqueles tempos não têm nada que ver com os de agora. Éramos uns inocentes, uns pobres diabos, comparados com esta malta que agora tem uma série de gadgets sofisticadíssimos sem os quais não sobrevive, mas éramos extremamente felizes, de uma forma, suponho, muito mais saudável. Os pequenos prazeres da nossa rotina eram, na maior parte dos casos, gozados ao ar livre, ou, vá lá, num quarto escuro, mas na companhia uns dos outros, e sem estarmos agarrados a um qualquer aparelho emissor de radiações.
Na escola – os edifícios eram barracões prefabricados onde chovia no Inverno, para nosso alívio, sobretudo quando as aulas de Química eram canceladas por isso. Cá fora, havia encostas de terra, por onde nos aventurávamos a descer, para cortar caminho para a sala de EV, e onde escorregávamos na lama, quando chovia. Entre dois barracões, havia estreitas passagens onde os namorados mais afoitos se encostavam aos “melos”. À porta da escola, um velho ou uma velha vendia “línguas da sogra”, uns rolos de bolacha, e “serradura”, aparas de bolachas wafer, que nos entretínhamos a cuspir para cima uns dos outros. Os alunos mais problemáticos, além de não estudarem, só diziam palavrões. Não roubavam o dinheiro dos outros, nem lhes batiam, que eu me lembre.
A caminho da escola, no Carnaval, fugíamos aos ovos, que voavam de todas as esquinas e janelas. E quando lá chegávamos, levávamos com farinha no cabelo e havia sempre quem rebentasse uma bombinha de mau cheiro numa sala, para que não houvesse aula. Será que isso ainda acontece?
Na rua – andávamos o dia todo a vaguear, em casa uns dos outros, sem qualquer receio de que alguém nos fizesse mal. Fumávamos às escondidas dos pais, enquanto nos baldávamos às aulas, e experimentávamos os primeiros beijos e apalpões num quarto escuro, em casa de alguém que nunca era eu, porque a minha mãe estava sempre em casa. No meu prédio, que tinha 13 andares, brincávamos aos elevadores, subindo e descendo ansiosamente, para ver quem chegava primeiro ao mesmo andar. Às vezes, andávamos a tocar às campainhas e a fugir. E quando podíamos, passávamos tardes a fazer telefonemas “a gozar”, em que ligávamos para o talho (“- Tem mão de vaca?” “- sim, sim!” “- Então como é que consegue segurar o telefone?!”) ou para um número qualquer, a troçar das pessoas.
Gastávamos a semanada em guloseimas e cromos, ou outras colecções, e tínhamos tudo o que precisávamos para estarmos satisfeitos, o que era tão pouco, que ninguém invejava ninguém.
À noite, lembro-me de me divertir durante horas com um vizinho de cima e o amigo dele, por quem estava apaixonada, a trocar bilhetinhos dentro de um pequeno balde preso a uma corda, que fazíamos subir e descer pela janela. Talvez eu fosse demasiado inocente, para a minha idade e até para aquela época, mas diverti-me à grande, apenas a ser assim.
Mal eu sabia as saudades que iria ter desses tempos em que passava horas a ouvir canções para conseguir escrever as respectivas letras, a escrever cartas em papel (sim, EM PAPEL!) a amigas que via todos os dias, a lanchar em casa delas, a fazer uma banda desenhada a duas, com a minha melhor amiga da altura, em que as personagens éramos nós e os balões eram preenchidos por ela.
Na altura, nem me ocorria que era uma palermice inútil gravar os meus telediscos e anúncios preferidos (o Thriller, do Michael Jackson, o anúncio da Coca-Cola...) em cassetes Beta, porque nunca mais iria pegar nelas; que estavam contados os dias de glória das cassetes áudio onde eu gravava os êxitos da Cidade; que um dia iria ter vergonha, se as guardasse, de mostrar as minhas recordações desses tempos aos meus filhos.
Mas também nunca pensei que iria sentir isto: uma estranha afinidade com as outras pessoas da minha geração, apenas por saber que elas partilharam dessas vivências que são completamente desconhecidas para os jovens de hoje. Cada vez que alguém diz que não sabe quem é o Peter Gabriel, ou que não faz a menor ideia do que era o programa do Vasco Granja, dá-me vontade de me agarrar à primeira pessoa com a minha idade que aparece e chorar com ela por essa era perdida para sempre.