30/10/07

LADO LUNAR

Surpreende-me, sinceramente, que ele ainda goste de mim.
Porque, embora todos tenhamos qualidades, uma boa parte delas é um misto de esperança e de ignorância. É uma ilusão que os outros têm em relação a nós, quando nos conhecem mal, porque nós nos esforçamos - consciente ou inconscientemente - por ser pessoas boas, interessantes, AMÁVEIS no mais puro sentido da palavra: pessoas que se podem amar, que merecem ser amadas.
Após muito tempo de convivência, é inevitável: os defeitos suplantaram as qualidades. Aquela parte ilusória esfumou-se e ficou apenas o conjunto das qualidades verdadeiras, agora bem mais pálidas e enfraquecidas, ao pé de todos os defeitos que se foram revelando.
"Mostra-me o teu lado mauzão", dizia o Rui Veloso. Evidentemente, ainda não o tinha visto. Depois de ter lidado com ele durante anos, já ninguém pede para o ver. A esta hora, ele já nem pede à rapariga para ver antes o seu "lado solar". A esta hora, ela é apenas uma recordação.
E às vezes tento imaginar do que o meu marido se lembraria se eu desaparecesse. Não vejo um sorriso apaixonado, não vejo um abraço forte, um olhar emocionado. Vejo-me a reclamar por ele ter posto garrafas num saco diferente, quando já havia um saco para o vidrão na despensa.
Um dia zangámo-nos. Depois, para amenizar o ambiente e, de certa forma, para tentar mostrar-lhe que tinha consciência dos meus defeitos, lancei isto para o ar: "não sei como é que ainda gostas de mim!"
Ele respondeu: "eu também não."
E eu assustei-me.
Foi só um susto. Ainda bem.
Mas é preciso aprender.

26/10/07

Escrevo para me conhecer



Um dia, resolvi oferecer ao meu, no dia do Pai, uma colectânea de textos que tinha publicado noutro blogue. Antes disso, nunca tinha dito aos meus pais que (me) escrevia na Internet.
Passado algum tempo, a minha mãe disse-me que tinha gostado de ler os textos, não sem insinuar que eu talvez tivesse sido injusta, porque o meu pai nem sequer os tinha lido e era ela, afinal, quem os apreciava.
E colmatou, com adiada e melancólica supresa: "isto... se a gente não lê o que os filhos escrevem, nem os conhece!"
Eu compreendi-a e achei que tinha razão.
Até acrescentaria: se a gente não escreve, mal nos conhecemos a nós próprios!

25/10/07

Há mães e mães

No blogue Controversa Maresia, li um texto interessante sobre “as outras mães”: mães supostamente perfeitas, que não se esquecem de nada do que é importante na vida dos filhos, que são organizadas e que fazem tudo da melhor maneira para eles. Peço-vos que vão lá ler o texto e só depois leiam o meu.

Pois eu não gostava de ser como essas mães. Apesar de não ser raro envergonhar-me de ser assim distraída e algo desorganizada, de já ter, mais do que uma vez, chegado ao cúmulo de ir pôr a minha filha ao infantário num dia em que era suposto saber que estava fechado, não tenho inveja das mães que não falham, que nunca se atrasam a deixar os filhos na escola e que não acordam mal dispostas.

E mais: acho que a pessoa que escreveu o texto deve ser melhor mãe do que essas que elogia, que têm paciência para os aniversários dos amiguinhos e encetam conversas típicas de mães, enquanto as crianças “jogam à bola, apagam velinhas e comem gomas”.

Eu gosto que haja um pouco de caos na nossa vida familiar, não para que os meus filhos cresçam num ambiente desequilibrado, mas para que saibam que a vida tem dias bons e maus, que as pessoas têm atitudes parvas, dizem coisas incongruentes e arrependem-se frequentemente do que fizeram mal ou deixaram de fazer.

Eu acho bonito chorar com a minha filha, quando as duas nos apercebemos de que nenhuma de nós tinha razão. Acho engraçado que ela me apanhe descalça na casa-de-banho e me diga, sorrindo: “olha o exemplo, mãe!”. Acho normal que ela me questione sobre comportamentos desadequados, que me confronte com o meu “faz o que eu digo, não faças o que eu faço". Acho pacífico que ambas conversemos sobre o porquê de certas regras de etiqueta e que saibamos quebrá-las, apenas na intimidade alegre de um momento mais solto. Acho saudável, de vez em quando, brincar com ela na cama até estarmos as duas às gargalhadas, e depois contar-lhe duas histórias, quando já passa da hora de dormir.

Eu gosto de não ser perfeita. Parece-me importante que os meus filhos compreendam os meus limites e imperfeições, que me apanhem em falta e que me obriguem a justificar-me. E, tal como a eles nem sempre lhes apetece estar comigo, também acho natural que eles saibam que gosto de passar algum tempo sem eles. Porque à satisfação de passarmos momentos com amigos, longe uns dos outros, segue-se a alegria do reencontro, em que contamos mutuamente o que fizemos e como nos sentimos.

É claro que me repreendo cada vez que chego à previsível conclusão de que não lhes devia dar aperitivos antes do jantar, é óbvio que procuro que se deitem a horas razoáveis, que faço um esforço por lhes dar banho todos os dias, embora nem sempre consiga. Mas, mesmo quando visto a mesma roupa à Mecas no dia seguinte, mesmo quando ela se vê obrigada a perdoar-me por me ter esquecido de a ir buscar à hora que pediu, mesmo quando me entristeço por lhe ter gritado quando não era necessário, não deixo de ter a certeza de que sou uma boa mãe.

Afinal, não interessa se temos ou não fotografias deles na carteira, para exibir aos outros. O mais importante é termo-los bem abraçados dentro do nosso coração.

23/10/07

A GRAMÁTICA JÁ NÃO FUNCIONA!


É impressão minha, ou os responsáveis pelos programas de português dos vários níveis de ensino, de há uns tempos para cá, têm desenvolvido uma certa aversão ao termo gramática?

É que agora só se fala de "FUNCIONAMENTO DA LÍNGUA", como se gramática se tivesse tornado num palavrão, num tabu lexical, que todos preferem evitar.

Isto parece-me ridículo e desnecessário, porque a matéria que se lecciona, no âmbito do eufemisticamente (e perifrasticamente) chamado "funcionamento da língua" é nem mais nem menos do que gramática, ou seja, conhecimento linguístico explícito e sistematizado.

Então, o que se passa? Será medo de traumatizar as crianças e os adolescentes? Ou os pais? Será que os professores têm medo de já não saber gramática, mas estão seguros de que até têm umas noções de como a língua funciona?

Talvez falte pouco para que até o funcionamento da língua seja substituído por uma expressão ainda mais suave e apetecível, como "vamos falar sobre a língua", ou "a língua é bué da fixe"!


22/10/07

AMIGA VIP

Eu a e Mecas no parque infantil. Enquanto empurro o baloiço, vejo uma mensagem no telemóvel.

- Olha, filha, a mãe da Matilde diz que ela vai agora ao médico e que depois dá notícias.

- A sério, mãe? Ela vai aparecer em todas as revistas?

MULHERES À BEIRA DE UM ATAQUE...

Hoje tive a estranha sensação de receber um e-mail de mim própria, apesar de não o ter escrito.

Uma amiga confessa-me que tem a mania das arrumações e que isso prejudica a sua relação com o marido e os filhos, descrevendo cenas que parecem saídas da minha vida. Pior, sentimentos que parecem saídos cá de dentro, sentidos tão intensamente e há tão pouco tempo.

A minha reacção às palavras dela, depois de ter reflectido um pouco, foi pensar que, de facto, as mulheres devem mesmo ser todas iguais. Pelo menos as que levam uma vida semelhante: vivendo com um homem e um ou mais filhos.

Fico com a sensação de que encarnamos todas um triste paradoxo, pois passamos a maior parte do tempo a reclamar porque temos de fazer tudo sozinhas e os intervalos a dizer aos nossos maridos que deixem estar, que não ajudem, muitas vezes com a mal contida (e estúpida) certeza de que eles não sabem fazer as coisas tão bem como nós.

Das duas uma: ou eles são uns queridos e insistem, apesar da nossa teimosia, e conseguem aspirar o quarto quando nos apanham desprevenidas; ou desistem, porque não estão para se chatear e, afinal, nós até lhes demos todas as deixas necessárias para que deixassem de nos ajudar.

Mas não há homens com a mania das arrumações? Há, certamente. Nesse caso, o que acontece? Não sei. Provavelmente não se casam. Porque as mulheres se sentem ameaçadas por um homem desses: um homem como elas, que assuma o papel que lhes é tão caro. (Desculpem as generalizações que estou para aqui a fazer, mas gosto de pensar que não sou a única.) As mulheres fazem questão de assumir o papel de vítima do casal: aquela que tem o triplo das responsabilidades e das tarefas (emprego, casa, filhos) e que, assim, tem razão para se lamentar a vida inteira. Que outro motivo poderá justificar o facto de nos queixarmos de não termos tempo para nada e ao mesmo tempo dispensarmos a ajuda deles?

E que estas generalizações não ofendam ninguém, porque na verdade eu estou é a confessar-me no plural.

Quanto a mulheres desarrumadas, que não cozinhem e se estejam a borrifar para as responsabilidades domésticas e maternas, sinceramente, não acredito que existam. Se não forem boas mães, são arrumadas ou gostam de cozinhar. Se não gostam de cozinhar, são boas mães ou são arrumadas. Se são desarrumadas, são boas mães ou gostam de cozinhar.

11/10/07

O que fazer com os restos do frango assado?


...desossar as asas, pernas, etc. que restaram do jantar de frango assado (de preferência enquanto ainda estão quentes, porque é mais fácil), mesmo que sejam apenas uns miseráveis pedacinhos.

Amassar farinha com água morna, uma pitada de sal e um fio de azeite e deixar descansar meia hora. Depois estender até que fique bem fina, com a ajuda de um rolo. Ligar o forno e espalhar por cima da massa (já num tabuleiro salpicado com farinha) um pouco de azeite, depois umas colheres de molho ou polpa de tomate e uma porção generosa de queijo mozzarela. Por cima, deitar os pedacinhos de frango, algumas rodelas de cebola e de banana, enfeitar com azeitonas, regar com natas e polvilhar com orégãos. Quando sai do forno, comer logo, se possível com salada mista a acompanhar. Vale a pena!

Não esquecer de passar por água e deitar num contentor de lixo reciclável a

embalagem de alumínio onde vinha o frango assado!

Nas fotos: o antes e o depois da pizza de restos de frango!

09/10/07

VISITA AO ZOO

TEORIA

Os pais devem esforçar-se por proporcionar experiências saudáveis aos filhos, que os ajudem a conhecer o mundo e a crescer interiormente. Por isso, em vez de os deixar ver televisão durante horas, ou simplesmente brincar dentro de casa, é conveniente encontrar formas de os distrair de maneira mais activa e enriquecedora, levando-os a ver museus, peças de teatro, exposições, jardins, ou outros locais de interesse, estimulando neles a prática de actividades motoras, artísticas e culturais.


PRÁTICA

Depois de termos finalmente conseguido um lugar para o carro, debaixo do viaduto de Sete-Rios, onde o cheio a urina era pior do que na jaula mais suja do animal mais mal cheiroso, entrámos no jardim zoológico para logo em seguida pararmos na bicha para a bilheteira, onde dezenas de pessoas aguardavam a sua vez.
Passada esta primeira provação, mais de meia hora depois, começo a mostrar-lhe os animais que se escondem por trás dos muros e redes, procurando seguir o percurso mais interessante e variado. Não tarda, ela pede a maçã que eu lhe tinha levado e, enquanto come, vai perdendo o entusiasmo pelo passeio e andando cada vez mais devagar, até que começa a dizer que está cansada e que quer ir para casa.

A multidão que deambulava à nossa volta parecia bem mais animada. Davam comida a todos os animais, apesar dos pedidos em contrário, afixados em locais bem visíveis. “Ó mãe, também quero dar uma folha à girafa!”, pede-me ela. Explico-lhe que não pode ser, que as outras pessoas estão a proceder mal. O interesse que ainda lhe restava esvai-se com este meu moralismo inoportuno. Evito os olhares desdenhosos dos outros, que me ouviram criticá-los.
Arrasto-a pelos caminhos, esforçando-me em vão por lhe dar informações curiosas sobre os animais. “Olha aquela mamã orangotango, com um filhote ao colo!” Quando ela olha, os dois animais, deitados e de costas, parecem um rolo de carpete cor de laranja. “Olha aquele lince tão bonito!” Mas o bicho tem um ar triste... e parece apenas um gato sobrealimentado.
Compro-lhe um gelado e descansamos um pouco. Mas ela não quer comer o gelado que escolheu. Obrigo-a, depois de me zangar. E enquanto estamos sentados, ela só pensa em ir embora para casa.
Por fim, anima-se com... um parque infantil. O parque infantil mais caro onde já pôs os pés! Espero pacientemente, mas as miúdas que lá estavam fazem-na magoar-se no balancé, tal a força com que o movimentaram. Enquanto ela choraminga, levo-a até aos pelicanos, pois está quase na hora de as tratadoras os alimentarem. Ela parece mais contente, voltando a sorrir, com aquela divertida, mas curta exibição. E eis que estamos perto da saída do jardim. Mas eu estava decidida a fazer daquela uma experiência inesquecível. E a fazer valer os quarenta euros que gastara! Afinal, faltavam apenas vinte minutos para o espectáculo da baía dos golfinhos, que estava incluído no preço dos bilhetes. Ouço outro pai dizer ao filho, que também mostrava sinais de cansaço: “Sabes, para estarmos aqui gastámos muuuuito dinheiro. Por isso, agora vamos cá ficar até termos visto tudo o que há para ver!”
Quando chegamos à baía dos golfinhos, a multidão já ocupava quase todas as bancadas. Felizmente, ainda conseguimos lugares lá em cima, bem longe das colunas de som. Durante o espectáculo, dei de mamar ao Vicente e mudei-lhe a fralda duas vezes, enquanto me maravilhava com a beleza e a paciência de leões marinhos e golfinhos. “Ó mãe, aquele menino tem o mapa que eu também tenho! Podes dar-me?” Ela distraía-se com tudo, menos com o que era suposto apreciar. Eu só sabia repetir, já com visível irritação: “Vê o espectáculo! Olha! Agora! Não estavas a olhar!”
Quando acabou, foi um alívio para todos.

CONCLUSÃO

Se o programa cultural for um fracasso, a culpa será nossa e não da criança. Se sentimos que desperdiçámos dinheiro, o melhor é escolhermos um passeio mais barato, que até pode ser mais divertido. O importante é estarmos felizes e de ânimo leve, e não que tentemos obrigar a criança a apreciar o mesmo que nós.

04/10/07

A razão do silêncio



O seu olhar parece-me uma verdadeira bênção.
O som do riso dele parece-me a mais bela canção da natureza.
Os seus movimentos parecem-me muito mais interessantes do que o melhor livro, o melhor filme.
A sua pele parece ter uma substância viciante que me faz beijá-la continuamente.
O tempo passado ao computador parece um perfeito desperdício!...