10/06/07

Difícil de engolir

Ontem, ao aproximar-me do quarto dela para ver se já estava a dormir, fui surpreendida pelo seu choro sentido, apesar de quase silencioso. Perguntei-lhe de imediato o que se passava, não imaginando a razão daquela tristeza repentina, que, se bem me lembro, só tinha acontecido uma vez, há muito tempo.

Então ela explicou-me que queria ser filha do tio (com quem havia estado ao almoço, e que adora), que também tinha saudades da avó (com quem também tinha estado durante o dia) e que gostava de ser irmã da prima (com quem também estivera e que tem apenas um ano).

Não é a primeira vez que ela me diz que gostava de ser filha daquele tio, deixando-me completamente desarmada, impotente perante aquela espécie de melancolia profunda por não ter tido outra sorte, apesar de reconhecer a sorte que tem. Não sabe, naturalmente, explicar a adoração, o amor incrível que sente por aquele tio único, do lado do pai. Só sabe que o adora, e que por vezes essa paixão a leva às lágrimas, quando toma consciência de que não pode viver em casa do tio, muito menos ser filha dele.

E eu, que nada posso fazer e pouco posso dizer, que me limitei a abraçá-la e a tentar embalá-la no sono, com beijos carinhosos e poucas palavras, pergunto-me: haverá muitas outras crianças com este tipo de problema existencial? E o que lhes dizem os pais, para além do óbvio? E como se sentem eles, nesses momentos em que os filhos parecem dizer-lhes que não são o ideal, que deveriam ter sido outros?

3 comentários:

Alecrim disse...

Lembro-me de sentir coisas parecidas e já não era criança.
Não sei o que te diga, minha querida! Mas parece-me que fazes o que pode ser feito. E isso passa. E um beijinho meu para o teu coração, que também deve ter doído...

vida de praia disse...

Glup!... Isso para o teu coração de mãe... penso porém que isso tem mais que ver com a adoração pelo tio do que propriamente com uma crítica a ou dissatisfação com vocês como pais.
De certeza que se a deixasses com o tio durante uns dias, ele a encontraria a choramingar sózinha com saudades tuas ; )

Anónimo disse...

Entre uma criança e um diplomata há uma distância que ronda o infinito. E, muitas vezes, as crianças são (ou parecem) cruéis
A diferença entre a crueldade infantil e a adulta está na intenção. A primeira é inocente, a outra é maldosa.
Há que esperar calmamente pela idade da razão, em que tudo se vai esclarecer.