10/05/07

A vida e o packman

Tinha dado, fazia pouco tempo, esta frase de Françoise Dolto aos alunos, para que a comentassem: “a criança não deve «crescer num ambiente de sonho, para uma vida de sonho». A vida deve ser encarada com realismo, tem exigências, traz frustrações.” (da obra O Meu Filho no Jardim Infantil).
Mal sabia eu que, muito em breve, iria ser confrontada com uma situação em que corria o risco de cair precisamente no erro de muitos pais, para o qual pensava estar alertada.

Fui buscar a Mecas ao infantário e ela anunciou logo: “não quero fazer mais ballet.” Perante a minha admiração, explicou-me que a professora tinha pedido que fizessem um passo novo, que envolvia um saltinho por cima de um obstáculo, e que ela não conseguira dá-lo. Por isso, não queria voltar a ir ao ballet.

Como eu não podia ir no dia seguinte falar com a professora, pedi ao pai que fosse. Ele soube muito bem marcar a sua posição: a Mecas não podia desistir das aulas simplesmente porque se vira perante uma contrariedade. Se a deixássemos fazê-lo, ela iria pensar que, de futuro, poderia agir assim à vista de todas as dificuldades: parar, recusar-se a enfrentá-las e seguir por outro caminho. Como se a vida fosse semelhante a um jogo do packman, em que bastasse virar costas ao bicho papão e mudar de rota, correndo para lhe fugir.
E ainda bem que o pai lá foi. Porque a Mecas fez ballet outra vez. Afinal, ela nem sequer fora a única que não conseguira dar aquele passo! Mas eu, coração mole e mente fraca, iria ceder. Iria tentar convencê-la a ficar, mas – perante o primeiro argumento dela – iria fazer-lhe a vontade. Que grande perigo! E é tão provável que venha a corrê-lo de novo...

6 comentários:

Vida de Praia disse...

Para mim a palavra-chave é flexibilidade (isto apesar de não ter as mínimas bases ou experiência pessoal na educação infantil): às vezes é bom virar as costas à adversidade e seguir por outro caminho; outras vezes o mais aconselhável é enfrentar e superar as adversidades desta vida. O difícil é talvez ter a sabedoria para decidir se se trata de uma situação ou da outra... e creio que não há soluções certas ou erradas à priori, tudo depende do resultado e da intenção com que se fazem as coisas.
Já soube por exemplo de pais que, por ambição pessoal, obrigaram os filhos a aprender a tocar um instrumento sob protestos, enquanto que o a criança mais queria ou para o que tinha talento era um desporto e certas crianças vêm a resentir-se por isso. Enquanto que outras ficam gratas pela perseverança e empenho dos pais.
Ai esta vida... ; )

Isa Maria disse...

sem dúvida alguma. as mães tem coração demasiado mole!

Anónimo disse...

Pois, as vezes nessas ocasiões lembram-se que a educação equilibrada preciza sempre do coração amanteigado e sensivel da mãe e a postura dura e forte do pai, esse foi durante muito tempo os moldes da educação que muitas vezes são empurrados para o lado devido a igualdade entre os sexos na actualidade que por um lado cria um baralhar total dos papeis, nossos filhos precizam realmente das duas faces da moeda.

tikka masala disse...

Um ponto de vista deveras interessante, caro anónimo/anônimo. Mas penso que, quando se fala de igualdade entre os sexos, trata-se fundamentalmente de dar às mulheres as oportunidades que lhes foram negadas durante séculos. Essa "igualdade" (que será sempre tão relativa quanto o corpo do homem e da mulher se podem considerar "iguais") só implica um baralhar de papéis para quem tenha uma visão simplista e redutora dessa mudança social.

tikka masala disse...

Não quis dizer com isto que esse seja o seu caso, nem pouco mais ou menos! Desculpe, se involuntariamente o dei a entender. A minha intenção era apenas exprimir a minha perspectiva: a igualdade de oportunidades não tem de levar à confusão entre os papéis de pai/mãe.

Anónimo disse...

Essas questões de "insistir vs desistir" são por vezes delicadas. Se bem que não se deve desistir à primeira, a partir de certo grau de dificuldade começa a ser contraproducente insistir mais.

Esta questão colocava-se com frequência na faculdade, quando chegava a altura de decidir que cadeiras fazer. Por um lado, havia pessoas que embora tendo condições para fazer uma cadeira, desistiam com as primeiras dificuldades. Por outro lado, também havia pessoas que não tendo ainda condições para fazerem uma cadeira (por exemplo, tentavam fazer Análise IV sem terem feito as Análises I, II e III), não sabiam desistir e desperdiçavam demasiado tempo e energia num objectivo improvável.

Saber quando vale a pensa insistir e quando se deve desistir requer uma boa percepção da realidade. (Essa percepção é uma coisa que às vezes tenho medo de não ter.)

Jaime
www.blog.jaimegaspar.com