23/05/07

Coisas que eu devia ter pudor de contar fosse a quem fosse...


...como diria a Alecrim.


A minha sogra regressou da terra e trouxe uma grande caixa de cerejas para nós. Quando as fomos buscar, comentei com ela:

- Estive quase, quase para comprar algumas ontem! Mas ainda bem que não as comprei. Estão tão caras...

- Mas também, compreende-se. Dão muito trabalho... é que têm de ser apanhadas com os pés!

- Com os pés?!

E antes que ela me pudesse explicar o óbvio (“sim, não se podem arrancar, é preciso cortar os pezinhos que as seguram”), já estávamos as duas a rir, primeiro contidamente, mas depois às gargalhadas, ambas imaginando dezenas de pessoas a fazer o pino debaixo das cerejeiras, descalças, com raminhos entre os dedos dos pés.

Acabei por acrescentar, depois de me ter lamentado por ser tão pateta às vezes:

- bem, se fossem mesmo apanhadas com os pés, até pagava só para ver, nem precisava de ficar com as cerejas!!

16/05/07

ESCRITA COMPULSIVA

Já escrevi tanto neste e noutros blogues!

Quando me ponho a clicar nos meses anteriores e a descobrir todos os textos acumulados ao longo do tempo, desde 2004, fico surpreendida com a “verborreia” que já despejei para a blogosfera.

E quando penso que, como eu, há milhares (milhões?) de pessoas a fazer o mesmo, que também já aqui deixaram, para quem quiser ler, as suas reflexões, ideias, lamúrias, confissões, os seus desabafos, elogios, devaneios, sonhos... concluo que, provavelmente, nunca se escreveu tanto na história da humanidade como agora.

Paradoxalmente, talvez nunca se tenha escrito tão mal, tantos disparates e palavras tão inúteis. Ou não?

10/05/07

A vida e o packman

Tinha dado, fazia pouco tempo, esta frase de Françoise Dolto aos alunos, para que a comentassem: “a criança não deve «crescer num ambiente de sonho, para uma vida de sonho». A vida deve ser encarada com realismo, tem exigências, traz frustrações.” (da obra O Meu Filho no Jardim Infantil).
Mal sabia eu que, muito em breve, iria ser confrontada com uma situação em que corria o risco de cair precisamente no erro de muitos pais, para o qual pensava estar alertada.

Fui buscar a Mecas ao infantário e ela anunciou logo: “não quero fazer mais ballet.” Perante a minha admiração, explicou-me que a professora tinha pedido que fizessem um passo novo, que envolvia um saltinho por cima de um obstáculo, e que ela não conseguira dá-lo. Por isso, não queria voltar a ir ao ballet.

Como eu não podia ir no dia seguinte falar com a professora, pedi ao pai que fosse. Ele soube muito bem marcar a sua posição: a Mecas não podia desistir das aulas simplesmente porque se vira perante uma contrariedade. Se a deixássemos fazê-lo, ela iria pensar que, de futuro, poderia agir assim à vista de todas as dificuldades: parar, recusar-se a enfrentá-las e seguir por outro caminho. Como se a vida fosse semelhante a um jogo do packman, em que bastasse virar costas ao bicho papão e mudar de rota, correndo para lhe fugir.
E ainda bem que o pai lá foi. Porque a Mecas fez ballet outra vez. Afinal, ela nem sequer fora a única que não conseguira dar aquele passo! Mas eu, coração mole e mente fraca, iria ceder. Iria tentar convencê-la a ficar, mas – perante o primeiro argumento dela – iria fazer-lhe a vontade. Que grande perigo! E é tão provável que venha a corrê-lo de novo...

03/05/07

Nós e as outras

A Mecas é uma querida, mesmo quando me diz grandes verdades, nuas e cruas, com a crueldade inocente que só às crianças se desculpa.
Há dias, no Algarve, observou atentamente, embora em poucos segundos, uma rapariga estrangeira com quem nos cruzámos no aldeamento turístico. Claramente nórdica, bonita, bem feita, e cujas escassas vestimentas de Verão, em pleno mês de Abril, faziam inveja e contrastavam com as minhas calças e botas pretas.
- Ó mãe, eu gostava que tu fosses como aquela senhora... - confessou-me a Mecas, assim que a outra passou.
- Então porquê, filha?
- Porque ela tem o cabelo amarelo muito giro, tem os olhos pintados muito alegres, não tem manchas na pele e tem uma pulseira no pé.

«Pois, filha... eu também não me importava de ser assim toda giraça como ela», pensei eu. «Mas olha que um dia ela também há-de ter manchas na pele, se Deus quiser! GRRRR...»