Se interessa para alguma coisa escrever e manter um diário virtual, esse interesse reside na possibilidade de ter quem responda e reaja às nossas confissões. Por isso, desde já agradeço todos os comentários!
11/02/07
Referendos precisam-se
Porque é que o Governo não fez um referendo sobre a nova lei de Bases da Segurança Social, relativa às pensões de reforma? Porque é que se fazem referendos sobre umas leis e outras não?
O que o Governo não deveria ter feito foi este referendo. Tinha competência para alterar a Lei e não o fez, assumindo as suas responsabilidades. O referendo só se destinou a lavar a água do capote. Penso que a pergunta a fazer não será "porque não faz mais referendos", mas antes "porque é que fez este". (confuso. Mas com um pouco de esforço, acaba por se entender...)
Pois, tudo depende da agenda do dia do sr. Sócrates, que francamente me desapontou com a sua decisão de levar a nova lei para a frente, apesar de menos de 50% do eleitorado se ter expressado - o que em si fala bem alto?...
claro que tinha de levar para a frente - o sim ganhou. tal como em 98 foi para a frente quando ganhou o não com um resultado muito menos expressivo e com um índice de abstenção muito mais elevado. o que faltou foi coragem política para assumir as consequências das decisões sem lavar de mãos.
Só me pergunto: qual será a razão para um índice tão elevado de abstenção? E será que os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro (mais de 10 milhões, como eu), que têm direito a voto para as presidenciais e para a Assembleia da República (como eu) perderam o direito ao voto para os referendos? Porque 1) Não fui informada de que se realizaria este referendo e 2) não recebi o boletim de voto da praxe. E o que mais se lembrarão de legalizar/despenalizar para combater actividades ilegais? A Dinamarca despenalizou o aborto até à 12a. semana nos anos setenta e os resultados, infelizmente, não são nada encorajadores - cá o aborto tornou-se uma forma de prevenção que cada 2 em 3 alunas de liceu entre os 15 e os 17 anos já experimentou pelo menos uma vez.
Portugal é sempre aquela "máquina": "é pá , copiemos tudo o que os países ditos desenvolvidos fazem, que é bom de certeza... afinal de contas são desenvolvidos". É deveras triste.
o problema é que esses abortos que referiste *já* se praticam, mas às escondidas, em clínicas de vão de escada, recorrendo a tecnologias de ponta como agulhas de tricot e varinhas de videira e sem direito a estatísticas oficiais, excepto os casos que chegam aos hospitais a esvair-se em sangue. ou então praticam-se em espanha, por quem pode pagar. olhar para o lado e fingir que não se vê não adianta e não resolve nada. a questão não é se despenalizarmos vai acontecer, a questão é já acontece, como lidar com isso? para mim viver nas trevas não é, nem nunca será, um sinal de evolução civilizacional. desculpem a extensão e a inflamação : )
Cá também há quem proponha despenalizar as drogas e a ideia é a mesma. Despenalizar certos tipos de práticas, como aquelas em questão, é a meu ver outra maneira de tapar os olhos e fingir que não se vê: de um dia para o outro "desaparece" o problema, porque como é legal já não é problema. Magia!... Engraçado como nunca se propõe penalizar ainda mais os criminosos, ou ensinar ainda mais as adolescentes como se precaverem, enfim, alternativas mais construtivas do que desistir e enveredar pelo caminho mais derrotista e mais fácil: "ok, o fenómeno já existe, não há nada a fazer, por isso mais vale despenalizar". Agora sou eu que peço desculpa pela extensão e a inflamação : )
tikka, desculpa lá mais este comentário... são coisas completamente diferentes. no caso das drogas leves não está em risco a saúde e a integridade física e moral de mulheres - cidadãs, se quiseres - que, num momento extremo, desesperante e angustiante das suas vidas tomaram uma decisão que as força: 1, a infringir a lei; 2, a colocar-se - caso não tenham recursos para mais - na mão de carniceiros sem escrúpulos que vivem à custa da hipocrisia e da falsa moralidade da sociedade. fazer um aborto não é a mesma coisa que fumar um charro. excepto talvez para as senhoras que abortam em badajoz como quem vai comprar caramelos e aproveita para ir aos saldos do corte inglês - e essas provavelmente votaram não. ninguém faz um aborto de ânimo leve. é uma violência física e psicológica para a mulher. eu - pessoal e intrinsecamente, no conforto da minha situação familiar, emocional e financeira sou contra o aborto. mas é fácil falar de barriga cheia. o que é que adianta condenar moral e judicialmente essas mulheres? estigmatizá-las? persegui-las, mesmo que apenas com processos de intenções? no hospital amadora-sintra uma mulher vítima de um aborto mal feito foi denunciada à polícia por um enfermeiro! isto aconteceu agora, no século vinte e um, e não no tempo da outra senhora. nestes tempos pantanosos, meios de cultura ideiais para seres unicelulares como bufos e parasitas, em que se dão dois passos atrás e um à frente, fico aliviada por mais este tímido sinal de evolução. agora calo-me : )
Eu acho que tens alguma razão, Papel Químico, mas também partilho da forma de pensar da Vida de Praia. A tua afirmação de que "ninguém faz um aborto de ânimo leve" não é verdadeira (chocou-me aquele caso da mulher que fez nove abortos e que se ria a confessá-lo, referido no blogue da Dulce). Por outro lado, acho que a despenalização não vai, de todo, resolver os problemas de muitas mulheres que: 1) vão continuar a ter dificuldade em abortar legalmente, porque sabemos muito bem como funciona a saúde neste país; 2) vão continuar a não ter meios para sustentar os filhos que escolhem ter, ou que têm de ter. Ainda se vai ouvir gente a dizer: "coitada? Porque é que não abortou? Foi mas é estúpida!" E em vez de se falar na importância da educação e dos meios anti-concepcionais, vai-se passar a louvar os benefícios do aborto como forma de travar o crescimento das populações...
não vi o post da dulce sobre a criatura que se vangloriava de ter abortado nove vezes, vou ver. mas, por favor... essa é forçosamente uma excepção à regra. e esse riso só pode esconder uma profundíssima dose de ignorância. como as mulheres, mães de nove filhos, que se vangloriam de os educar à paulada e acham piada que eles se embebedem mal começam a andar. não posso acreditar que esta seja a norma. e depois ninguém disse que a despenalização excluía ou iria excluir o planeamento familiar. claro que se tem de apostar na informação. continuar a apostar na informação. nem, que eu saiba, há da parte de quem defende a despenalização um desejo de o louvar como medida de travar o crescimento. o que se pretende travar é a perseguição a quem, em consciência, opta por esse caminho. e eliminar a manifesta injustiça social que decorre desta situação. eu não consigo condenar ninguém, concorde ou não concorde fosse ou não capaz de o fazer. não me considero moralmente superior a ninguém, lamento. e julgo que, à luz da lei, essas mulheres deviam ser acompanhadas em pé de igualdade com as que podem pagar as aspirações sem dor com anestesia geral. tb não julgo que a ineficácia do sistema de saúde seja desculpa para continuar tudo como está. nunca foi a encolher os ombros e a resignarmo-nos que se mudou o que quer que fosse.
Bem, isto está a dar pano para mangas! : ) Tikka, de certeza que não estavas à espera de tanta circulação quando escreveste este post. E vais ter de desculpar mais um comentário… Já me tinha apercebido que nestes assuntos há muita mitologia à mistura: Mito 1: “as drogas (ditas) leves não põem em risco a integridade física e moral.” Facto: Na minha experiência professional, e cientificamente falando, os charros causam dependência psicológica, pacificam e causam estagnação emocional e intelectual, destroem a motivação e a concentração, impedindo muitos de estudar e tirar partido dos seus potenciais e, em muitos casos, desencadeia psicoses e por vezes esquizofrenias irreversíveis. Não mata, mas leve não é. Mito 2: ”ninguém faz um aborto de ânimo leve”. Facto: Sendo o índice de aborto tão elevado no país em que vivo, conheço n mulheres que de muito jovens o experimentaram. Não a rir à gargalhada, pois a situação em si é delicada. E várias desenvolveram depressões e sentimentos de culpa após o aborto. O que não as impede de o voltar a fazer (interessante!...). Mas a decisão em geral parece ser fácil de tomar, pois sendo legal, encara-se com naturalidade como prevenção ou qualquer outro tipo de cirurgia. Dá-se alta no mesmo dia, logo nem sequer interfere muito no dia-a-dia. Para muitas é como ir arrancar um dente (e juro que não estou a dramatizar ou a exagerar). Creio que a decisão é mais angustiante e se sente como uma violência numa situação em que não se tem livre acesso ao aborto e se tem de infringer a lei e recorrer a meios menos seguros e simples. Mito 3: “a despenalização do aborto ajuda a quem, em consciência, opta por esse caminho.” Alguém pensou na situação dos médicos que vão ter de perpetrar esses abortos, cujo índice claramente irá explodir? Que os força a violar consequentemente o Juramento de Hipócrates independentemente da sua posição profissional e moral no assunto? Pessoalmente também vivo uma vida confortável e posso por isso dar-me ao luxo de ser contra o aborto e de achar que se tem de assumir responsabilidade pelo que se faz. Pessoalmente nunca condenei nem condenaria uma mulher por ter feito um aborto. Mas condeno uma sociedade que opta pelas resoluções fáceis e inconsequentes, a sociedade que o que faz é exactamente encolher os ombros e resignar-se perante o facto de que abortos já se fazem, mas por carniceiros ou em Badajoz por quem tem “papel”). P.S.: Gostei da dos “seres unicelurares como bufos..” : )
podíamos fazer um blog só para discutir isto até à exaustão : ) é fácil jogar com espelhos nestas questões. o número de abortos não aumenta depois de ser legalizado - passa é a ser conhecido. deixa de ser encoberto pela clandestinidade. a diferença fundamental é que, pelo facto de ser legal, é feito em condições dignas e por profissionais médicos credenciados, e não por curiosos mercenários da dor alheia. os carniceiros estão em portugal, na irlanda, em malta, não em badajoz, onde as mulheres são tratadas com o maior respeito. os médicos objectores de consciência obviamente não serão forçados a nada. há, de resto, muitos médicos que são objectores de consciência no serviço público, mas já não são no privado. porque será? tal como as mulheres que aparentemente praticam o aborto de uma foram despreocupada ou leviana (sejá lá o que for que isso significa), quero acreditar que não são a regra. preocupam-me sempre e mais que nunca as mulheres que são forçadas a recorrer ao aborto que os médicos paladinos da ética. continuo a achar uma hipocrisia e uma injustiça descomunal e totalmente anacrónica condenar moral e judicialmente uma mulher por fazê-lo. e é disso que se trata. ou foi disso que tratou o referendo. ponto. final, parágrafo, no meu caso : )
vou só acrescentar um último parágrafo antes de dar por terminado o texto (desculpem, mas é uma questão de actualidade). a igreja católica emitiu hoje um comunicado dizendo que iria fazer tudo para apoiar as mulheres na maternidade de forma a tornar esta lei inútil. apetece-me dizer, sem ponta de ironia, abençoada decisão. todos gostaríamos que a lei fosse inútil. espero muito honestamente que consigam os seus objectivos e que não seja necessário fazer nem mais um aborto em portugal. se assim for até nos esquecemos que já poderiam ter começado há mais tempo, quando era crime punido por lei.
A tua argumentação foi exímia, Papel Químico - digo isto sem ironia, atenção, mas com grande admiração. Só um senão: não se pode afirmar, categoricamente, que "o número de abortos não aumenta depois de ser legalizado". Pode-se apenas esperar que não aumente... afinal, se os números clandestinos nunca virão a saber-se, será sempre impossível comparar o antes e o depois.
Sim, papel químico, apesar das nossas diferenças de opinião, como sempre também admiro a tua lucidez e os teus poderes de argumentação! Ponto de exclamação. Ponto final : ) Parágrafo: não façamos um blog só para discutir isto até à exaustão, pleeeeeeeeeease!!! : ) Ponto final.
sim, tens razão tikka, nunca saberemos ao certo. eu estava a brincar quando disse que podíamos fazer o blog, vida de praia. é que às tantas isto já parecia um daqueles jantares em que dois convidados meio ébrios se animam numa discussão acesa, enquanto o dono da casa boceja a um canto. além de ser uma forma subtil de te dizer "queres ir lá para fora resolver isto?". não queria ser inconveniente na casa da tikka, mas às vezes dá-me para a verborreia. desculpa, tikka, o bacalhau estava óptimo e a sobremesa nem se fala ; )
Não tens de pedir desculpa, Papel. Eu li com todo o interesse a tua verborreia. E se não intervim mais foi simplesmente por não saber como. Ainda bem que gostaste do bacalhau!
31 comentários:
Pois, bem perguntado.
O que o Governo não deveria ter feito foi este referendo. Tinha competência para alterar a Lei e não o fez, assumindo as suas responsabilidades. O referendo só se destinou a lavar a água do capote.
Penso que a pergunta a fazer não será "porque não faz mais referendos", mas antes "porque é que fez este".
(confuso. Mas com um pouco de esforço, acaba por se entender...)
concordo em absoluto com o deprofundis. os senhores do hemiciclo estão lá para legislar, mas às vezes parece que se esquecem disso.
Pois, tudo depende da agenda do dia do sr. Sócrates, que francamente me desapontou com a sua decisão de levar a nova lei para a frente, apesar de menos de 50% do eleitorado se ter expressado - o que em si fala bem alto?...
claro que tinha de levar para a frente - o sim ganhou. tal como em 98 foi para a frente quando ganhou o não com um resultado muito menos expressivo e com um índice de abstenção muito mais elevado. o que faltou foi coragem política para assumir as consequências das decisões sem lavar de mãos.
Só me pergunto: qual será a razão para um índice tão elevado de abstenção?
E será que os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro (mais de 10 milhões, como eu), que têm direito a voto para as presidenciais e para a Assembleia da República (como eu) perderam o direito ao voto para os referendos? Porque 1) Não fui informada de que se realizaria este referendo e 2) não recebi o boletim de voto da praxe.
E o que mais se lembrarão de legalizar/despenalizar para combater actividades ilegais?
A Dinamarca despenalizou o aborto até à 12a. semana nos anos setenta e os resultados, infelizmente, não são nada encorajadores - cá o aborto tornou-se uma forma de prevenção que cada 2 em 3 alunas de liceu entre os 15 e os 17 anos já experimentou pelo menos uma vez.
Era isso que eu temia, Vida de Praia...
Portugal é sempre aquela "máquina": "é pá , copiemos tudo o que os países ditos desenvolvidos fazem, que é bom de certeza... afinal de contas são desenvolvidos". É deveras triste.
Agora é que puseste o dedo na ferida...
o problema é que esses abortos que referiste *já* se praticam, mas às escondidas, em clínicas de vão de escada, recorrendo a tecnologias de ponta como agulhas de tricot e varinhas de videira e sem direito a estatísticas oficiais, excepto os casos que chegam aos hospitais a esvair-se em sangue. ou então praticam-se em espanha, por quem pode pagar. olhar para o lado e fingir que não se vê não adianta e não resolve nada. a questão não é se despenalizarmos vai acontecer, a questão é já acontece, como lidar com isso? para mim viver nas trevas não é, nem nunca será, um sinal de evolução civilizacional.
desculpem a extensão e a inflamação : )
Cá também há quem proponha despenalizar as drogas e a ideia é a mesma. Despenalizar certos tipos de práticas, como aquelas em questão, é a meu ver outra maneira de tapar os olhos e fingir que não se vê: de um dia para o outro "desaparece" o problema, porque como é legal já não é problema. Magia!...
Engraçado como nunca se propõe penalizar ainda mais os criminosos, ou ensinar ainda mais as adolescentes como se precaverem, enfim, alternativas mais construtivas do que desistir e enveredar pelo caminho mais derrotista e mais fácil: "ok, o fenómeno já existe, não há nada a fazer, por isso mais vale despenalizar".
Agora sou eu que peço desculpa pela extensão e a inflamação : )
tikka, desculpa lá mais este comentário...
são coisas completamente diferentes. no caso das drogas leves não está em risco a saúde e a integridade física e moral de mulheres - cidadãs, se quiseres - que, num momento extremo, desesperante e angustiante das suas vidas tomaram uma decisão que as força: 1, a infringir a lei; 2, a colocar-se - caso não tenham recursos para mais - na mão de carniceiros sem escrúpulos que vivem à custa da hipocrisia e da falsa moralidade da sociedade. fazer um aborto não é a mesma coisa que fumar um charro. excepto talvez para as senhoras que abortam em badajoz como quem vai comprar caramelos e aproveita para ir aos saldos do corte inglês - e essas provavelmente votaram não. ninguém faz um aborto de ânimo leve. é uma violência física e psicológica para a mulher. eu - pessoal e intrinsecamente, no conforto da minha situação familiar, emocional e financeira sou contra o aborto. mas é fácil falar de barriga cheia. o que é que adianta condenar moral e judicialmente essas mulheres? estigmatizá-las? persegui-las, mesmo que apenas com processos de intenções? no hospital amadora-sintra uma mulher vítima de um aborto mal feito foi denunciada à polícia por um enfermeiro! isto aconteceu agora, no século vinte e um, e não no tempo da outra senhora. nestes tempos pantanosos, meios de cultura ideiais para seres unicelulares como bufos e parasitas, em que se dão dois passos atrás e um à frente, fico aliviada por mais este tímido sinal de evolução.
agora calo-me : )
Eu acho que tens alguma razão, Papel Químico, mas também partilho da forma de pensar da Vida de Praia. A tua afirmação de que "ninguém faz um aborto de ânimo leve" não é verdadeira (chocou-me aquele caso da mulher que fez nove abortos e que se ria a confessá-lo, referido no blogue da Dulce). Por outro lado, acho que a despenalização não vai, de todo, resolver os problemas de muitas mulheres que: 1) vão continuar a ter dificuldade em abortar legalmente, porque sabemos muito bem como funciona a saúde neste país; 2) vão continuar a não ter meios para sustentar os filhos que escolhem ter, ou que têm de ter. Ainda se vai ouvir gente a dizer: "coitada? Porque é que não abortou? Foi mas é estúpida!" E em vez de se falar na importância da educação e dos meios anti-concepcionais, vai-se passar a louvar os benefícios do aborto como forma de travar o crescimento das populações...
não vi o post da dulce sobre a criatura que se vangloriava de ter abortado nove vezes, vou ver. mas, por favor... essa é forçosamente uma excepção à regra. e esse riso só pode esconder uma profundíssima dose de ignorância. como as mulheres, mães de nove filhos, que se vangloriam de os educar à paulada e acham piada que eles se embebedem mal começam a andar. não posso acreditar que esta seja a norma.
e depois ninguém disse que a despenalização excluía ou iria excluir o planeamento familiar. claro que se tem de apostar na informação. continuar a apostar na informação. nem, que eu saiba, há da parte de quem defende a despenalização um desejo de o louvar como medida de travar o crescimento. o que se pretende travar é a perseguição a quem, em consciência, opta por esse caminho. e eliminar a manifesta injustiça social que decorre desta situação. eu não consigo condenar ninguém, concorde ou não concorde fosse ou não capaz de o fazer. não me considero moralmente superior a ninguém, lamento. e julgo que, à luz da lei, essas mulheres deviam ser acompanhadas em pé de igualdade com as que podem pagar as aspirações sem dor com anestesia geral. tb não julgo que a ineficácia do sistema de saúde seja desculpa para continuar tudo como está. nunca foi a encolher os ombros e a resignarmo-nos que se mudou o que quer que fosse.
Bem, isto está a dar pano para mangas! : ) Tikka, de certeza que não estavas à espera de tanta circulação quando escreveste este post. E vais ter de desculpar mais um comentário…
Já me tinha apercebido que nestes assuntos há muita mitologia à mistura:
Mito 1: “as drogas (ditas) leves não põem em risco a integridade física e moral.”
Facto: Na minha experiência professional, e cientificamente falando, os charros causam dependência psicológica, pacificam e causam estagnação emocional e intelectual, destroem a motivação e a concentração, impedindo muitos de estudar e tirar partido dos seus potenciais e, em muitos casos, desencadeia psicoses e por vezes esquizofrenias irreversíveis. Não mata, mas leve não é.
Mito 2: ”ninguém faz um aborto de ânimo leve”.
Facto: Sendo o índice de aborto tão elevado no país em que vivo, conheço n mulheres que de muito jovens o experimentaram. Não a rir à gargalhada, pois a situação em si é delicada. E várias desenvolveram depressões e sentimentos de culpa após o aborto. O que não as impede de o voltar a fazer (interessante!...). Mas a decisão em geral parece ser fácil de tomar, pois sendo legal, encara-se com naturalidade como prevenção ou qualquer outro tipo de cirurgia. Dá-se alta no mesmo dia, logo nem sequer interfere muito no dia-a-dia. Para muitas é como ir arrancar um dente (e juro que não estou a dramatizar ou a exagerar).
Creio que a decisão é mais angustiante e se sente como uma violência numa situação em que não se tem livre acesso ao aborto e se tem de infringer a lei e recorrer a meios menos seguros e simples.
Mito 3: “a despenalização do aborto ajuda a quem, em consciência, opta por esse caminho.”
Alguém pensou na situação dos médicos que vão ter de perpetrar esses abortos, cujo índice claramente irá explodir? Que os força a violar consequentemente o Juramento de Hipócrates independentemente da sua posição profissional e moral no assunto?
Pessoalmente também vivo uma vida confortável e posso por isso dar-me ao luxo de ser contra o aborto e de achar que se tem de assumir responsabilidade pelo que se faz. Pessoalmente nunca condenei nem condenaria uma mulher por ter feito um aborto. Mas condeno uma sociedade que opta pelas resoluções fáceis e inconsequentes, a sociedade que o que faz é exactamente encolher os ombros e resignar-se perante o facto de que abortos já se fazem, mas por carniceiros ou em Badajoz por quem tem “papel”).
P.S.: Gostei da dos “seres unicelurares como bufos..” : )
podíamos fazer um blog só para discutir isto até à exaustão : )
é fácil jogar com espelhos nestas questões. o número de abortos não aumenta depois de ser legalizado - passa é a ser conhecido. deixa de ser encoberto pela clandestinidade. a diferença fundamental é que, pelo facto de ser legal, é feito em condições dignas e por profissionais médicos credenciados, e não por curiosos mercenários da dor alheia. os carniceiros estão em portugal, na irlanda, em malta, não em badajoz, onde as mulheres são tratadas com o maior respeito. os médicos objectores de consciência obviamente não serão forçados a nada. há, de resto, muitos médicos que são objectores de consciência no serviço público, mas já não são no privado. porque será? tal como as mulheres que aparentemente praticam o aborto de uma foram despreocupada ou leviana (sejá lá o que for que isso significa), quero acreditar que não são a regra. preocupam-me sempre e mais que nunca as mulheres que são forçadas a recorrer ao aborto que os médicos paladinos da ética. continuo a achar uma hipocrisia e uma injustiça descomunal e totalmente anacrónica condenar moral e judicialmente uma mulher por fazê-lo. e é disso que se trata. ou foi disso que tratou o referendo. ponto. final, parágrafo, no meu caso : )
vou só acrescentar um último parágrafo antes de dar por terminado o texto (desculpem, mas é uma questão de actualidade). a igreja católica emitiu hoje um comunicado dizendo que iria fazer tudo para apoiar as mulheres na maternidade de forma a tornar esta lei inútil. apetece-me dizer, sem ponta de ironia, abençoada decisão. todos gostaríamos que a lei fosse inútil. espero muito honestamente que consigam os seus objectivos e que não seja necessário fazer nem mais um aborto em portugal. se assim for até nos esquecemos que já poderiam ter começado há mais tempo, quando era crime punido por lei.
A tua argumentação foi exímia, Papel Químico - digo isto sem ironia, atenção, mas com grande admiração.
Só um senão: não se pode afirmar, categoricamente, que "o número de abortos não aumenta depois de ser legalizado". Pode-se apenas esperar que não aumente... afinal, se os números clandestinos nunca virão a saber-se, será sempre impossível comparar o antes e o depois.
Sim, papel químico, apesar das nossas diferenças de opinião, como sempre também admiro a tua lucidez e os teus poderes de argumentação!
Ponto de exclamação.
Ponto final : )
Parágrafo: não façamos um blog só para discutir isto até à exaustão, pleeeeeeeeeease!!! : )
Ponto final.
sim, tens razão tikka, nunca saberemos ao certo.
eu estava a brincar quando disse que podíamos fazer o blog, vida de praia. é que às tantas isto já parecia um daqueles jantares em que dois convidados meio ébrios se animam numa discussão acesa, enquanto o dono da casa boceja a um canto. além de ser uma forma subtil de te dizer "queres ir lá para fora resolver isto?". não queria ser inconveniente na casa da tikka, mas às vezes dá-me para a verborreia. desculpa, tikka, o bacalhau estava óptimo e a sobremesa nem se fala ; )
Não tens de pedir desculpa, Papel. Eu li com todo o interesse a tua verborreia. E se não intervim mais foi simplesmente por não saber como. Ainda bem que gostaste do bacalhau!
Nem sequer quero ir lá para fora resolver isto ; )
O bacalhau foi em sentido figurado, ou perdi mesmo uma bela jantarada? : )
Não perdeste nada, Vidinha Boa! Era ela a brincar...
Ufa... : )
Com bacalhau não se brinca ; )
e a tikka é especialista em bacalhau com natas : P
Nham nham : P
Mas que viragem nos comentários, meu Deus! Da discussão acesa sobre o referendo até ao bacalhau com natas... como é que isto aconteceu?!
: )
É sempre bom acabar uma discussão com coisas agradáveis, mas tens razão, que reviravolta ; )
como boas portuguesas que somos, acabamos sempre qualquer conversa a falar sobre comida : )
Que nos valha isso : )
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