10/10/06

FELICIDADE ADIADA










A velhice assusta-me, como a quase toda a gente.

Vivemos uma vida inteira a correr, sem tempo para desfrutarmos daquilo que nos é verdadeiramente importante, como ver os filhos crescer, estar (quando nos apetece) com os amigos e a família, e depois, quando chegamos àquela idade em que nos sobra tempo, faltam-nos a saúde, o ânimo, ou mesmo os amigos e a família.

Não me entusiasma a ideia de passar os próximos trinta anos da minha vida a trabalhar, não por considerar o trabalho como uma obrigação nefasta, pelo contrário, mas porque o trabalho a tempo inteiro nos obriga a adiar quase todos os sonhos e a privar-nos de muitas coisas boas, que não esperam pela nossa disponibilidade.

Gostaria de acreditar que ficarei feliz, ao chegar à reforma, por finalmente ter a oportunidade para fazer o que me apetece. Mas há um problema: é que aquilo que me apetece fazer agora provavelmente não me vai apetecer quando tiver 65, 70, 80 ou 90 anos.

Aquele senhor que encontro todos os dias, no seu caminho para o café, e que vai fazer 94 anos, faz-me sempre pensar. Quando o cumprimento, satisfeita por continuar a vê-lo, lamenta-se invariavelmente da monotonia dos seus dias. Diz-me que não faz mais do que passear pelo bairro, tomar café e ler o jornal, conversar com alguns vizinhos e voltar para casa. «E cá estou, à espera da minha vez» – declara, com um sorriso sério. O que faria eu no lugar dele?

Ingenuamente, imagino-me a conduzir até à praia, para passear à beira-mar, na companhia de alguma amiga. A apreciar as minhas músicas preferidas, sem ter de estar a fazer outra coisa ao mesmo tempo. A ler todos os livros que agora me ocupariam demasiado tempo. A passar dias inteiros a escrever. A visitar museus, monumentos, a fazer viagens pelo mundo fora. E no entanto, não me atreveria a fazer essas sugestões às pessoas mais velhas que conheço. Porque para tudo isso é preciso ter capacidades que se perdem com a idade, a começar pela paciência.

E eu, que já não tenho muita, passo mais tempo a pensar no que farei quando for velha do que no que posso fazer agora. E o tempo é o que se faz com ele. Se for adiando sempre todos os sonhos, o mais certo é que ganhem bolor. Se me apetece estar com amigos, ir a algum lado, ter uma experiência qualquer, certamente encontro numa das 24 horas do dia, num dos sete dias da semana, um momento para viver um pouco dessa realidade, afinal desnecessariamente adiada.

5 comentários:

Anónimo disse...

Esta é velha, mas pode ser que algum leitor ainda não a conheça.
Dizem que para se ser feliz são necessárias três coisas: tempo, saúde e dinheiro.
No começo da vida, há tempo e saúde, mas falta o dinheiro. Depois, há dinheiro e saúde, mas falta tempo. E, por fim... o leitor que adivinhe.

Vida de Praia disse...

Carpe Diem - fácil de dizer, mas difícil de praticar sistematicamente no dia-a-dia. É tão simples esquecer a relativa brevidade do tempo que temos; se é isso que por um lado nos permite viver mais ou menos despreocupados em vez de desesperados, é ao mesmo tempo o que nos faz desperdiçar oportunidades e momentos efémeros.
Detesto aqueles filmes em que se segue uma pessoa desde a juventude até à velhice; prefiro tentar esquecer a passagem do tempo e viver apenas. Quando posso.
E procuro manter a mesma mentalidade de sempre. Acredito que a idade física não condiciona necessariamente a mental. Ou seja: quando um dia daqui a muitos, muitos anos te reformares, imagino-te a passear à beira-mar, a apreciar as tuas músicas preferidas, sem teres de estar a fazer outra coisa ao mesmo tempo. A ler todos os livros que agora te ocupariam demasiado tempo. A passar dias inteiros a escrever. A visitar museus, monumentos, a fazer viagens pelo mundo fora. Porque não? : )

Anónimo disse...

Conheço uma pessoa que foi reformada há pouco tempo e, parece-me (pelo que vejo) que contínua a fazer essencialmente o mesmo que fazia quando trabalhava. De certa maneira, a reforma como que não existiu para essa pessoa.

Acho que o pior da velhice é estar parado à espera da morte.

Deprofundis, deixa-me adivinhar: por fim não há dinheiro porque fomos burlados e levaram-nos todas as economias de uma vida, não há saúde porque estamos velhos e o tempo está a acabar-se. :-)

rascunhos disse...

Quantos de nós não se questionam com isso?...
De nada vale, pois o futuro é um imprevisto...
O melhor é levar " a coisa"" com a «leveza» que se pode e(esta também já é velha)... um dia de cada vez!

Luís Alves de Fraga disse...

Curioso... Eu passei a vida a olhar para trás, para o que poderia ter feito e não fiz e, contudo, nunca perdi tempo, porque sempre estive excessivamente ocupado.
Tenho 65 anos e tanto que fazer! Falta-me o tempo para completar todos os projectos que tenho em mente! É certo haver coisas que já não faço com a mesma agilidade dos 40 anos, mas, em vez de "fazer", "vou fazendo".
Acho que o importante é ter a cabeça cheia de ideias para concretizar!
Agora, tenho três obras para ler, porque faço parte de um júri (até ao final do mês tem de estar tudo pronto), uma comunicação para acabar para apresentar num colóquio em 10 de Novembro, ultimar a preparação das novas aulas segundo o projecto de Bolonha, um livro para escrever, organizar um colóquio para se realizar no final de Março, vários trabalhos de alunos para ler... E tudo isto me dá imenso prazer, porque gosto do meu dia completamente cheio. Isso não impede que faça ginástica, escreva os meus blogs, comente os dos outros, faça as minhas caminhadas e veja alguns programas de televisão (só alguns!).
Faço tudo isto agora, porque não sei se estou cá aos 70 para fazer um pouco menos, tal como não sabia aos 35 se estaria aos 40.
Importante: viver o mais possível o dia que corre; secundário: lamentar o que não se fez (tal como acontece comigo); sem importância: pensar o que se não poderá fazer quando se for velho!
E note-se que, independentemente do que consta no meu BI, me sinto, intelectualmente, com qualquer coisa como 40 a 45 de idade.