30/07/06

A PERGUNTA FATÍDICA

A partir dos quinze anos, mais ou menos, começamos a sentir uma ligeira, mas insistente pressão social que, se não nos incomoda muito, pelo menos nos irrita um bocadinho. Em praticamente todas as ocasiões sociais, os tios, conhecidos, amigos dos pais, parentes afastados e todos os chatos que nos virem vão fazer-nos uma pergunta indiscreta e insistente que ouviremos com um sorriso amarelo até sermos avós: a pergunta inevitável.
A pergunta inevitável é irritantemente presivível, embora vá variando, conforme a fase da vida em que estamos. No entanto, a sua essência mantém-se a mesma: basicamente, é uma pergunta que nos dá vontade de responder, a quem a faz, “meta-se na sua vida” ou qualquer coisa mais prosaica de significado semelhante, mas à qual nunca respondemos isso, porque somos educados. Através dela, nas suas várias formas, a sociedade pressiona-nos para sermos mais um membro da carneirada, bem integrado e fiel à tradição ancestral.
Aos quinze, a pergunta é “então, já tens namorado/a?”. Depois, quando já temos namorado/a, muda para: “então e quando é que é para casar?” Se nos casamos, ou começamos a viver com alguém, a pergunta passa a ser: “então e filhos?” E quando temos o primeiro filho, muda para “e um mano, quando é que vem?” Se, de facto, temos mais do que uma criança, as coisas acalmam. Mas, assim que os nossos filhos chegam aos quinze anos, começam a chateá-los a eles, ou a nós por eles, com as mesmas perguntas, até à fase em que nos voltam a interpelar directamente para saber quando é que aparecem os netos.
Quem tem a ousadia de não seguir o curso normal da existência humana, de acordo com esta lógica, habilita-se a sofrer graves danos psicológicos por causa da fatídica pergunta. Eu lembro-me de me sentir profundamente embaraçada por não ter namorado na altura em que me faziam essa pergunta, que já não era suposto ter de ouvir. E também me lembro de ter relações desastrosas com rapazes nas quais me aventurei apenas para não ter de continuar a responder que não tinha namorado, ou a disfarçar, ou a mudar de assunto. E imagino que as mulheres que não se casaram nem têm filhos continuam a ouvir a pergunta cada vez com mais raiva, até ao dia em que a sociedade as dá como “caso perdido” e deixa de ter esperança que elas entrem no esquema.
Neste momento, ouço a do “mano” todas as semanas. E o mais giro é que o diálogo que se segue à pergunta é sempre o mesmo:
- e não queres ter outro?
- sim, quero.
- já está na altura...
- eu sei.
- ah. Mas não stresses! O pior que há nessas coisas é o stress!
( GRRRRRRRRRR! )

13 comentários:

Anónimo disse...

Enfim, tudo não passa de um ritual. É como nas praxes académicas. Quando somos caloiros, não gostamos do que nos fazem. Mas, mal nos apanhamos no segundo ano, é um ver-se-te-avias.
O meu pai, sempre que o ia visitar, perguntava-me para quando a próxima promoção.
O melhor é não ligar

Anónimo disse...

Outro texto que põe o dedo num assunto fulcral, boa! As pessoas podem ser tão chatas! Conheço bem a experiência: já estou casada vai para 15 anos e não tenho filhos (nota que não escrevi "ainda"; depois de tantos anos de treino já perdi o sentimento de ter que me justificar!) - nem me estou jamais a ver como mãe. As perguntas têm sido muitas ao longo dos anos, mas acho que a esta altura do campeonato o pessoal já desistiu. O meu marido, nos seus momentos mais cínicos, acha que esse tipo de pergunta se deve à necessidade das outras pessoas de nos pôr as "rédeas" para "sofrermos" tanto como elas : ) Talvez...eu acho que talvez seja mais uma questão da necessidade de conformismo - só me sinto bem e segura de mim se aqueles à minha volta viverem como eu.

tikka masala disse...

Bem observado! No fundo, quando os outros têm a ousadia de seguir um caminho diferente, levam-nos a questionar a escolha que fizemos...

Anónimo disse...

P.S.: Esquece a pressão. E não stresses mesmo : ) Só tu tens o mapa e a bússola do teu rumo de vida. E o trajecto é delineado por quem o tem que percorrer.

Anónimo disse...

É triste e é trágico, mas vivemos num mundo de carneirada e quem ousa cortar as amarras e fazer uma vida diferente está lixado. Mas já passei da dúvida a cada vez mais deixar de dar ouvidos às opiniões da maioria que pensam que sabem mas não fazem a mínima ideia!... : )

tikka masala disse...

Tens toda a razão. E quem pode fazer vida de praia todo o ano é que tem razão para rir dos outros, que só vão à praia aos magotes, quando está demasiado calor!... :D

Anónimo disse...

Tem piada, ou talvez não. A mim, que não tenho filhos, nunca ninguém me perguntou nada a esse respeito. Porque, pelos vistos, a obrigação é das mulheres.

tikka masala disse...

Ora aí está, Deprofundis. Eu não queria estar sempre a defender as mulheres e a chamar a atenção para o que elas sofrem, em comparação com os homens. Mas realmente esta pressão social é exercida sobre as mulheres, muito mais do que sobre os homens. Elas é que têm a função de "procriadoras" e depois ainda substiste aquela mentalidade que aplaude a esperteza do homem que não casa nunca e menospreza as "malucas" que fazem a mesma opção.

Anónimo disse...

Ai, este mundo de homens feito para homens!... As mulheres estão "feitas"! :P

papel químico disse...

o pior é quando algumas pessoas passam da pergunta à acusação, mesmo que mal disfarçada por um falso tom de brincadeira. "tu não queres ter filhos porque és egoísta! queres é continuar a ter tempo para viajar e fazer a tua vidinha." essas pessoas não imaginam a crueldade dessas afirmações, sejam ou não verdadeiras.

Dulce disse...

"Deixá-los tá-los que eles calarão-se-ão-se!"

lol

Tu sabes, Tikka, sou solteira, vivo sozinha, não tenho filhos. E tenho 40 anos. Ouvi muitas vezes as mesmas perguntas, mas as pessoas acabaram por se cansar. É muito bom ser um "caso perdido". Deixam-nos EM PAZ. E a paz é muito boa!

tikka masala disse...

Tem graça, a versão que eu conhecia é ligeiramente diferente: "deixá-los falá-los, que eles calalão-se-ão-se!" LOL.
Acho muito bem que prezes a tua paz, Dulce. Porque é um bem precioso. Nunca ninguém sabe se seria mais feliz de outra maneira qualquer. O melhor mesmo é ficarmos felizes quando conseguimos estar em paz connosco próprios. E de preferência sem os outros a chatear!

Anónimo disse...

Uma amiga também me veio há anos com essa do egoismo, que eu me cansaria da ego-trip...deixá-los etc e tal - onde é que eu já ouvi isto?... Acho que também já desistiu de mim ; )