24/08/07

A mãe do Pedro



A mãe do Pedro não fazia parte dos anónimos “outros”. Era uma senhora muito amável, daquelas pessoas que se adivinham intrinsecamente boas – assim como o marido, de resto. Eram um casal simpático e conversador, pais de um amigo meu dos tempos da adolescência, que moravam no prédio em frente. Não a conhecia bem e nunca fui lá a casa, porque a amizade que existia entre mim, o filho dela e os restantes membros do grupo era essencialmente “de rua”, como era hábito naqueles tempos sãos, em que nunca se ouvia falar de raptos nem de assaltos por aquelas bandas. Mas, ainda assim, gostava dela.

A mãe do Pedro era bonita. Uma senhora que não dava nas vistas, por ser baixa e algo redondinha, mas que uns olhos claros e límpidos, um sorriso franco, bem aberto, que lhos fechava com doçura, e uma pele muito branca, salpicada de sardas discretas, tornavam de facto bela. Lembro-me que tinha o cabelo sempre bem penteado e uma voz serena, cujo timbre ainda consigo ouvir cá dentro, no recanto das minhas memórias.

À mãe do Pedro não podia ter acontecido uma tragédia tão grande, dessas que só acontecem aos “outros”: estar na praia a molhar os pés e ser engolida por uma onda que a arrastou impiedosamente, sob o olhar aflito do marido, para a devolver muito mais tarde à superfície, a quatro quilómetros de distância.

Ao Pedro e à família não deveria ter acontecido essa atrocidade: perderem assim a mãe, de uma forma tão injusta, tão bruta, tão malvada.

Não me venham dizer que Deus lá tem as suas razões, que os homens não conseguem compreender.

17 comentários:

Alecrim disse...

Eu não te diria nada sobre Deus, aqui.
No luto que vivi, há largos anos, posso dizer-te que Deus esteve comigo. Mas na morte do meu irmão, igualmente estúpida e daquelas que só acontecem aos "outros", não pensei em Deus.
Desculpa não saber explicar-me melhor. Um abraço grande, querida amiga. Saudades.

Vida de Praia disse...

Nem eu. Quando o meu pai faleceu, tinha eu dezanove anos, também alguém me veio com a dos "propósitos misteriosos de Deus". A conversa despropositada de quem não sabe o que dizer num momento de dor para consolar alguém. Mas não há consolo possível, por isso preferível seria que ficasse calado, confesso...

Anónimo disse...

Concordo inteiramente consigo. Se existisse algum deus, estas coisas não aconteciam. Como também não nasceriam crianças sem cérebro, ou com outras mazelas que nem vale apenas descrever. De tão horrendas e variadas que são.

Vida de Praia disse...

Engraçado, que eu não li uma apologia ao ateísmo por entre as linhas deste post. Mas que Deus não era para li chamado...
E diria que se não existisse um Deus, este mundo andaria ainda mais de pantanas e aconteceriam ainda mais desgraças do que é o caso.

Anónimo disse...

Desculpe, Vida de Praia, mas não resisto a comentar o que disse. Afinal, trata-se apenas uma espécie de meio deus. Intervém umas coisitas mas consente a bagunçada, que não é pouca...

Vida de Praia disse...

deprofundis, compreendo os seus augumentos, porque também os tive durante muitos anos. Não sei explicar melhor, mas a limitação é minha.

Alecrim disse...

Parecerá sempre muito estranho aos não crentes ouvir-nos falar sobre o que cremos acerca de Deus. Já me pareceu mais profícua esta espécie de discussão...
Tenho consciência de que isto nada tem de racional, mas para mim Deus nada tem a ver com o mal. Deus é o Bem. Será meio-deus, se assim o entender, deprofundis. Para mim, é Deus.

Alecrim disse...

Deprofundis, reli o meu comentário e achei que poderia soar agressivo. Mas não o considere agressivo, por favor, pq não era a minha intenção.

Isa Maria disse...

a morte foi de facto injusta aos nossos olhos. è bonita a sua homenagem

tikka masala disse...

Tenho noção de que a minha última frase acarreta uma crítica e também descrença. Mas por outro lado (e por paradoxal que isto pareça), não acho que seja legítimo sustentar que as desgraças e injustiças que acontecem neste mundo são a prova de que Deus não existe.
Nem acho inconcebível que um Deus bom possa deixar os seus "filhos" à mercê de males que eles não provocaram... mas partilho da opinião de Saramago: esse Deus NÃO MERECE ser espectador do nosso sofrimento.

Vida de Praia disse...

Às vezes, quando estou mais frustrada, também penso: “quem me dera que deixasse o lugar de espectador e se envolvesse mais vezes...“

Anónimo disse...

Ainda hesitei em escrever algumas linhas a propósito desta discussão da existência ou não de Deus. Mas não resisti. A mudança que Deus operou em mim leva-me a "defendê-Lo" até aos confins do mundo. Se é que Deus alguma vez precise que O defendam com argumentos ou evidências - principalmente para aqueles que Dele duvidam.
A Bíblia diz em Romanos 1:18 que "Do céu se manifesta a ira de Deus sobre a impiedade e injustiça dos homens (...) Pois os atributos invisíveis de Deus, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem e claramente se vêem pelas coisas que foram criadas, de modo que esses homens são inescusáveis. Pois tendo conhecido Deus, não o glorificaram como Deus, antes os seus raciocínios se tornaram fúteis, e os seus corações insensatos se obscureceram. Dizendo-se sábios se tornaram loucos, e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível..."
Um dia decidi pôr Deus à prova. Comecei a ler a Bíblia e tudo se tornou claro. O Seu amor infinito e a paz que excede todo o entendimento preencheram o meu coração. As coisas más que nos acontecem, nós simples mortais, não as sabemos explicar. Mas de uma coisa eu sei: Aconteça o que acontecer, confio e descanso no Seu grande Amor.
Bem sei que o Homem só crê naquilo que vê. Mas deixo-vos apenas um pensamento e uma sugestão: As coisas invisíveis são as que têm mais poder (pensem nos vírus, nas bactérias). A sugestão: desafiem Deus, dizendo-Lhe " Deus, se tu existes e se és Amor, então revela-te a mim, porque quero conhecer-Te e quero esse amor que tens para dar".

De alguém que foi tocada pelo Amor de deus

Alecrim disse...

Apaixonada por Deus,
este é o tipo de comentário evangelizador que me faria ser convictamente ateia se não gostasse tanto do Deus em que creio.

Anónimo disse...

uma apaixonada por Deus disse...

"As coisas invisíveis são as que têm mais poder (pensem nos vírus, nas bactérias)."

Desculpe lá, minha cara amiga, mas onde é que foi desencantar essa teoria do poder superior das coisas invisíveis?
E, tanto quanto eu saiba, as bactérias e os virus são visíveis. Basta ter os microscópios adequados...
As citações da Bíblia não me metem medo. Ninguém sabe ao certo quem as escreveu nem há quanto tempo e com que intenções. E ninguém pode ser obrigado a acreditar naquilo em que, honestamente, não acredita.
A minha falta de fé não prejudica ninguém. É inócua e pacífica. E não me incomoda a fé dos outros. A menos que eles se sintam com o direito de a impor pela força ou pela atemorização (caso das citações da Bíblia) e, quantas vezes, à bomba...

2207 disse...

Porque é que falar de Deus gera sempre tanta polémica? Por favor parem lá com a troca de piropos. Há os que acreditam, há os que duvidam e há os que não acreditam. Tudo bem. A existência (ou não) de Deus é alheia ao facto de acreditarmos nele ou não. A minha experiência sobre a matéria diz-me que estas conversas são inúteis e desgastantes.

Anónimo disse...

Ó minha querida 2007
Então que é isso? As pessoas já não podem falar livremente?
Só discute reiligião quem quer. Eu cá gosto muito e tento fazê-lo com educação e respeito. Que mal há nisso?

tikka masala disse...

Apaixonada, com esses argumentos não convence ninguém! Afinal, declarar "Comecei a ler a Bíblia e tudo se tornou claro" é tão obscuro como dizer "acredito porque sim".
2207, compreendo o seu ponto de vista. Mas apenas porque, presumo, crê em Deus. É só aos crentes que estas conversas incomodam... porque será?