28/03/07

Fazer torradas = qualidade de vida

Se há um cheiro que considero mágico, envolvente, divino, mítico, é o cheiro a torradas acabadas de fazer.

As torradas são, em princípio, um luxo de fim-de-semana, um privilégio, um gosto que nem todos podem sentir. Não me refiro àquelas tiras grossas e irremediavelmente secas que servem nas pastelarias, mas às deliciosas torradinhas que cada um, de vez em quando, se dá ao trabalho de fazer em casa, com o pão da sua preferência e tostadas exactamente como se gosta: nem de mais, nem de menos: jusqu’au point.

As pessoas que podem dar-se ao luxo de fazer torradas de manhã, durante a semana, são incontestáveis felizardas. Mas também são espertas. Porque se recusam a engolir à pressa uns cereais de origem duvidosa, ou a tomar café numa pastelaria barulhenta, com alguém a fumar-lhes para cima. Preferem levantar-se um pouco mais cedo e deleitar-se com a sensação de tranquilidade e bem-estar que umas torradas generosamente barradas com manteiga, mel ou doce proporcionam. Sem dúvida, essas pessoas gozam de melhor qualidade de vida do que as outras, pelo simples facto de serem felizes ao pequeno-almoço. Porque uma torradinha bem feita, antecipada por aquele aroma voluptuoso, é claramente uma mais-valia.

Não me admiraria nada que numa revista científica se publicassem os resultados de um estudo que permitira concluir que comer torradas diariamente aumenta a longevidade.

21/03/07

poesiárvore





Dia da poesia e da árvore.

Duas coisas que aprecio bastante na vida.

A primeira, fazer mais do que ler.
Usar as palavras como uma espécie de barro musical, um brinquedo feito de peças infinitas que não nos impõem uma forma final.
Um quebra-cabeças destrava-línguas para contrair os dedos e descontrair a mente.
Largar a caneta e sorrir, porque cada poema, por muito que se repita o tema, é sempre novo e diferente.

A segunda, um ser para abraçar e amar.
Coração silencioso, pulmão generoso, alguém que nos ouve sem falar - sem nos julgar. Uma espécie de Cristo à nossa mercê...
Pouca gente vê, mas a árvore também veio para nos salvar.


Se pudesse, hoje, sentar-me-ia à sombra de uma árvore
a rabiscar um poema.
Não podendo, fica-me a sensação de que o fiz.
E isso basta-me, é curioso, para me sentir feliz.


14/03/07

A SEGUNDA VEZ

Quando engravidei pela primeira vez, não cabia em mim de contente. Aquela sensação mágica de estar prestes a viver um milagre embalou-me durante meses e vivi intensamente a experiência, sempre consciente e ao mesmo tempo incrédula perante a maravilha que é ter um ser a gerar-se dentro de nós.

Tirei dúzias de fotografias, organizei-as num álbum onde escrevi pormenores sobre o que ia sentindo, orgulhei-me da minha barriga e da minha condição de Mãe. Tinha a certeza de que aquele estava a ser o período mais feliz da minha vida.

Desta vez, como era de esperar, a magia do desconhecido desapareceu. O facto de já saber como o parto é difícil e como o pós-parto é ainda pior, porque mais lento, o facto de já ter uma criança para cuidar e de estar apreensiva perante a ideia de dividir a atenção entre dois filhos, perante a incerteza de conseguir dar ao segundo tudo o que dei ao primeiro, perante a ideia de ter de passar novamente por todas as preocupações que um bebé invariavelmente suscita... tudo isto me leva a viver a segunda gravidez de uma forma muito diferente. E é pena.

Já não tiro fotografias, nem escrevo um diário. Já não quero ficar assim para sempre, nem tenho a sensação de ser esta, mais uma vez, uma das melhores fases da minha vida. Sinto-me inchada, em vez de me sentir como a guardiã de um pequeno tesouro.

É bem verdade que nos habituamos a tudo. Até às coisas boas…


08/03/07

PESSOAS

Há pessoas que gostam de nós e de quem, envergonhadamente, nos lembramos de ter esquecido.
Sinto-me em falta quase todos os dias. Reformulo: sinto-me em falta todos os dias em que penso nessas pessoas.

Há pessoas que nos tratam sempre bem, mesmo quando lhes fazemos uma cara menos simpática, mesmo quando lhes damos uma resposta torta. Pessoas que conseguem não nos desrespeitar NUNCA. E será sempre tarde de mais para lhes pedir desculpa.

Há pessoas que nos ouvem com atenção, mesmo sabendo que não as ouviremos a elas. Perdoam-nos, porque nos aceitam como somos. E nós gostaríamos que nos ouvissem mais e melhor...

Há pessoas que nos AMAM uma vida inteira, sem nunca se queixarem do facto de nós não retribuirmos esse amor, de não manifestarmos gratidão, nem sequer reconhecimento. E só o silêncio, a discrição com que nos amam, nos permite continuar impunes e sobreviver à terrível angústia de nos sentirmos imerecedores desse amor.

Há pessoas que, sem querer, nos fazem sentir desprezíveis por dentro, na intimidade solitária da nossa consciência. Porque só cada um de nós sabe o quanto erra, falha, falta, perante elas.

São essas pessoas que nos ajudam, que nos apoiam, que nos salvam. São elas que nos fazem viver, embora às vezes pareça que nos matam também um bocadinho.
Há cinco minutos que olho para este rectângulo e não sei o que escrever.