Para continuar o texto que iniciei ontem sobre a minha relação com os casamentos, nada melhor do que partir de um comentário particularmente sugestivo...
Comentário de
Luís Alves de Fraga ao post “Eu e os casamentos I”:
Minha Cara Amiga,Com a experiência de vida que já tenho e dentro do maior respeito pela sua postura, digo-lhe que este assunto dava um excelente tema para psicanálise.É que, pelos vistos, a sua aversão ao casamento parece passar só pela festa, mas será? Como não cabe ao psicanalista (neste caso «selvagem») dar as respostas, deixo-lhe, para pensar, a pergunta.
Antes de mais, tenho de agradecer a este ilustre comentador por me ter dado o mote de continuação do meu texto. Na verdade, não sabia muito bem como começar a segunda parte, mas sabia que iria acabar por falar do inconsciente!
Então, voltando ao ódio, será realmente a festa o que mais me incomoda? Incomoda bastante, é realmente um SECA DESCOMUNAL. E a missa? Pois... eu não sou católica e confesso que tenho pouca paciência para missas. Mas a questão é que eu não me casaria nem pelo civil. E sem festa talvez pensasse nisso. Sem festa por causa do trabalho que as festas dão. É que não compensa. TODOS os meus amigos que se casaram dizem que o tempo passa a correr e que nem apreciam devidamente a ocasião, de tão cansados que estão. E também não queria festa por causa do dinheiro que se gasta. (A minha mãe dizia-me às vezes: «vês? Se tivesses casado, já tinhas um serviço da Vista Alegre...»)
Mas ele quer casar sobretudo pela festa e não se conformaria com um simples vamos-ali-despachar-isto-num-instante. Agora, os advogados do diabo poderão perguntar: será que tu dizes que casarias pelo civil sem festa porque sabes que ele não quer isso? Ou seja, não estarás a fazer bluff? Bom... nunca se sabe. Mas afinal porquê?! Se eu quero viver com ele para sempre!...
De facto, e como acrescentou o nosso “moralista de domingo”, a minha atitude para com os casamentos é mais típica dos homens e, penso eu, mais rara nas mulheres. Isso leva-me a pensar que não se trata de um sentimento natural em mim, mas antes uma espécie de reacção inconsciente relacionada com algum trauma ou com algum receio subliminar.
Primeira hipótese: os meus pais davam-se mal durante a minha infância, levando-me a sentir que o compromisso entre eles só servia para os obrigar a manterem-se juntos quando prefeririam estar separados? Bem, lembro-me de bastantes discussões, mas não posso dizer que me traumatizaram a esse ponto. Só o meu incosciente é que pode falar, mas eu confesso que não estou em condições de fazer o investimento financeiro exigido pela psicanálise para descobrir!
Segunda hipótese (mais arriscada): eu odeio casamentos porque tenho pavor de me comprometer para a vida e é por isso que não quero ser confrontada com o compromisso que os OUTROS têm a coragem de assumir? Bem... hoje, mais do que em qualquer outro momento da história, o casamento está longe de ser uma decisão irreversível. Para além disso, eu vivo com um homem a quem chamo marido (na verdade, não tenho muitas opções não risíveis... amante? amigado? namorado? amancebado? companheiro?), temos uma filha e vivemos felizes, tal e qual como se tivesse havido essa tal celebração que me causa tanta repulsa. Continuo sem perceber.
Terceira hipótese: por favor, ajudem-me a encontrá-la. Nem que me dêm só uma pista!
12 comentários:
Pois eu sou casado (repetente) e não me arrependi nunca. Napoleão disse que o dia mais feliz da sua vida foi o da sua primeira comunhão. Eu diria que foram os dos meus dois casamentos.
O primeiro acabou de uma forma trágica e dolorosa (mas não por vontade dos cônjuges). O outro vai bem e recomenda-se.
Porém, o facto de termos um "papel passado" nada altera.
Porque sabemos ambos que vivemos juntos porque isso nos agrada e ajuda a sermos mais felizes.
Se um dia a situação evoluir para a rotura (espero bem que não), seguiremos por caminhos separados.
Eu sou solteira há quarenta anos, daqui a 10 faço bodas de ouro!
Na maior parte do tempo gosto de ser eu só.
(Não te consigo ajudar, Tikka!, sorry. Mas precisas mesmo de saber porquê? Não te basta que seja assim?)
Alguém definiu, há tempos, o casamento como um castelo sitiado: os que estão dentro querem sair e os que estão fora querem entrar.
Vamos partir deste jogo.
Comecemos pela festa... Não há festa. A festa ser uma seca é uma «armadilha» que usa para si própria. Assim pode fugir dela e dizer que é por causa dela que tudo está justificado. A celebração religiosa é parte da festa. Vamos arredá-la. O que fica?
O trauma de infância. Vamos pô-lo de lado... é demasiado evidente para ser verdadeiro. O que fica?
O compromisso. Resposta: já assumiu o compromisso; os compromissos desfazem-se com facilidade (no papel, claro!).
Avancemos.
Olhemos o compromisso «ao contrário»... Ele tem uma carga social, ele tem um peso social, ele modifica as relações. ELE MODIFICA AS RELAÇÕES!!!!
Será?
O que quer a Tikka defender de si própria?
Se quer defender é porque há um receio. Qual é?
O medo de perder a sua individualidade, de se «diluir» numa relação comprometida socialmente? O medo de perder a sua autonomia? Uma autonomia mais imaginada do que real?
Não se trata de CORAGEM; trata-se do contrário: do MEDO.
Onde reside o seu medo? No medo de si ou no da transformação imaginada que se pode operar no seu marido? O que não se tem não se perde. Só se perde o que se tem.
Vamos ensaiar outro caminho.
O que é a liberdade a dois? É a soma de duas liberdades ou a subtracção de duas liberdades para dar como resultado uma liberdade menor?
«Vivemos felizes», porque é livre como um pássaro que na gaiola não vê as grades e se julga livre?
Se é capaz de arrostar com a crítica e até certa reprovação social, a solução não está «fora de si»; está, fundamentalmente, dentro de si escondida num sentimento que lhe podemos chamar medo (convicção ou qualquer outra coisa semelhante).
Como deixei dito atrás, em várias pistas, há em si um medo que se disfarça de mil e uma justificações. O medo pode ter sido provocado por um trauma. Um trauma de posse ou possessividade: ser possuída ou deixar de ser possuída (desejada).
Desculpe. Alonguei-me. talvez tenha ido longe em excesso. Talvez nada do que eu disse tenha consistência.
A investigação científica faz-se a partir de hipóteses só recusáveis quando demonstrada a sua impossibilidade. Até lá, tudo tem de ficar em aberto.
Cumprimento-a.
No tipo de terapia com que trabalho, a terapia cognitiva, uma das "filosofias" é tentar não complicar o que poderia ter uma explicação simples. Portanto tenho três hipóteses:
1) mantenho o receio da festa possivelmente vir a ser uma seca, depois da trabalheira que se teve.
2) o quereres ser do contra, não te quereres deixar ditar por convenções sociais, desejos familiares, etc, mantendo a tua liberdade de escolha e o controle sobre as tuas circunstâncias (lembrei-me desta última faceta a propósito de um post anterior de férias em que davas exemplos de como a tua mãe era de ideias fixas, só pode ser assim à minha maneira, etc, e da tua reacção a isso).
3) não sendo tu religiosa (pelo menos não católica) esse aspecto não é importante para ti, nem seria talvez coerente com a tua visão da vida fazer um casamento religioso?
Como já alguém disse, tu já assumiste o compromisso com o homem com quem desejas partilhar a tua vida, logo não creio que seja o medo do compromisso. E quem tem traumas certamente terá nem que sejam vagas recordações...
... mas mantendo o espírito da terapia cognitiva, tu e somente tu é que tens a chave para a verdade sobre este assunto.
acho pouco provável que seja o medo da festa, conhecendo-te pela trabalheira que costumas ter a receber pessoas em casa de uma forma impecável. uma festa de casamento não tem forçosamente de ter 1500 convidados - apenas os que habitualmente estão presentes em todas as outras circunstâncias da vida. ou os que nos apetece convidar ; )
eu inclinar-me-ia para a segunda opção apontada pela vida de praia.
mas se te sentes bem assim, qual é problema? não vale a pena estar sempre a racionalizar as coisas e a pensar "virei à esquerda e a estrada até era boa, mas se tivesse virado à direita será que a vista era mais bonita?". o caminho só se faz uma vez e pronto está feito. chegaste depressa, a estrada não tinha buracos e havia pouco trânsito - excelente. o fantástico da vida é que se te apetecer um dia voltar ao cruzamento e virar à direita, porque não? e podes perfeitamente um dia experimentar o outro caminho porque te apetece, de facto, ver como é a vista - se realmente vale a pena - e não porque tens 23 argumentos muito bem fundamentados para suportar a tua decisão. ou não.
Obrigada a todos pela vossa dedicação - por terem perdido o tempo suficiente para ler, pensar e escrever sobre isto.
Dulce, tens toda a razão, mas eu tenho esta mania de tentar perceber as minhas manias e fobias! Luís Alves de Fraga, escreva sempre comentários longos! Penso que as hipóteses que levantou fazem sentido. Mas, Vida de Praia e Papel Químico, vocês também apontaram o dedo a certos factos importantes. Resumindo, trata-se de uma espécie de manifestação contra a convenção, uma recusa em celebrar um ritual religioso que exigiria grande hipocrisia da minha parte, ao mesmo tempo escondendo o medo de que a minha relação se venha a alterar e por fim a necessidade de agir contra a vontade dos meus pais, que sempre me dominou e em relação à qual há um forte desejo interior de libertação.
Estás a ver como ao fim ao cabo sempre tinhas a chave do mistério? ; )
Nada disso! Foi só com a vossa ajuda que eu cheguei lá... :)
Obrigada!
Posso?
É que gostava de dar uma palavrinha à Dulce.
Porque não experimenta o casamento em pequenas doses?
Se gostar, aumenta a receita. Se não gostar, suspende o tratamento...
LOL.
Fernando, só um moralista de domingo me faria rir a uma hora destas!!
Quanto a designações para o teu homem, proponho "noivo" (sem nunca chegar a haver casamento). Nota as vantagens: não tens de fazer um casamento e tens direito a um anel para fazer inveja às amigas. :-)
Jaime
www.blog.jaimegaspar.com
Obrigada pela dica, Jaime. O problema é que eu também não ligo a isso dos anéis de noivado... tenho dois anéis e gosto muito deles, mas acho que os meus dedos não precisam de mais nenhum!
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