01/09/06

DÚVIDA EXISTENCIAL

O que é educar bem uma criança?
Sempre foi a minha dúvida, desde que soube que estava grávida. Quer dizer, claro que tinha noção dos valores que gostaria de transmitir à minha filha – respeito pelo próximo, pelas diferenças, pelo ambiente, solidariedade, humildade, auto-confiança, etc, etc. – mas a dúvida coloca-se-me quanto à forma como estes valores devem ser transmitidos.
Tudo seria muito simples se se tratasse de optar entre dar “lições teóricas” ou simplesmente agir conforme esses valores, educando pelo exemplo. Ou se bastasse adoptar um modelo misto, que combinasse ambas as estratégias. Mas toda a gente sabe que uma coisa é dizer e outra é fazer. E todos os que têm filhos já foram apanhados por eles a terem comportamentos contrários àquilo que lhes ensinam (dizer “Não se fala com a boca cheia” com a boca cheia é um dos clássicos).
Então, como devemos gerir este delicado compromisso entre impingir regras e quebrá-las a toda a hora? E como agir quando fazemos o que não devemos em frente aos filhos?
A minha sensação é de que os meus pais nunca se preocuparam com isso. E confesso que também não me lembro de os questionar a esse propósito. Lembro-me talvez de os observar com algum rancor (palavra forte, mas que neste momento vai ter de servir porque não me lembro de uma mais adequada), quando eles faziam o que estava errado mas que afinal eles (só eles) podiam fazer. Recordo-me de um sentimento que se traduzirá por: “deixem-lá-que-eu-quando-for-grande-também-hei-de-fazer-isso”.
Naturalmente, não é isso que eu quero que a minha filha sinta. O que me aconselham?

12 comentários:

Vida de Praia disse...

Hoje a tua questão foi das difíceis e dolorosas... creio que uma coisa essencial é não te colocares numa posição de infalível como muitos pais. Se "erraste" e quebraste uma daquelas regras, sê humilde; nem os pais estão acima da "lei" nem livres de serem humanos. E se for a vez da tua filha "errar", aponta, mas não faças drama.
Percebes o que estou para aqui a pôr os pés pelas mãos a tentar dizer? O teu sentimento forte perante às transgressões dos teus pais advinha certamente da diferença de direitos entre vós - se calhar se tivesses sido tu a fazê-lo teria sido tratado como uma calamidade... as crianças gostam acima de tudo de justiça, creio; justiça e compaixão.

Vida de Praia disse...

P.S.: Vim a matutar neste teu excelente post a caminho de casa e lembrei-me de mais uma coisa de que eu teria gostado quando era miúda: não prejudica ninguém economizar nas regras e princípios (quanto menos, melhor) e nas chamadas de atenção - não é por sistematicamente se azucrinar o "faltoso" que ele aprende ou se corrige ; ) Para mim é uma questão de prioridades - o que achas realmente essencial que a tua filha aprenda e respeite? O resto logo virá por associação.

tikka masala disse...

Obrigada pelos teus dois comentários, que enriquecem muito este post! Acho que tens razão em tudo o que dizes. Mas tenho receio de que a minha opção permanente pela "justiça e compaixão" (ou aquilo que eu penso que se integra nesse quadro) acabe por degenerar num facilitismo que deite tudo a perder.

Vida de Praia disse...

Também nem oito nem oitenta, não é?... ; ) Firmeza com peso e medida é o meu moto - ou o moto que gostaria que tivessem aplicado comigo. Pouquíssimos são os casos que conheço em que pais "pecaram" por facilitismo, enquanto que pelo contrário já lhes perdi a conta : )

tikka masala disse...

Percebo o que dizes, mas mais uma vez tenho dificuldade em conseguir ser coerente. Esse é que é o meu grande problema. Tanto me zango com ela por entornar comida como lhe digo que não faz mal porque foi sem querer. É como se às vezes libertasse a criança raivosa que há em mim e se quer vingar, gritando como lhe gritaram. Nem sempre me consigo controlar... :(

Luís Alves de Fraga disse...

Tenho receio de ser longo.
Fui filho mais novo e nem por isso fui mais mimado; talvez pelo contrário... Já vim «fora de tempo».
Na infância aprendi de duas maneiras: pelo exemplo constante dos meus pais e o auxílio de umas palmadas dadas a tempo (era super-activo!); na adolescência, aprendi pelo exemplo e pelo respeito e receio: fui aluno interno durante 7 anos do Instituto dos Pupilos do Exército (aprendíamos, essencialmente, uns com os outros, tomando como padrão alguns dos melhores oficiais que connosco lidavam mais de perto).
Fui (sou) pai de quatro filhos - 3 raparigas (uma ligeiramente mais velha do que a Tikka) e um rapaz (da idade da Tikka).
Eduquei (educámos, eu e as minhas duas mulheres), em primeiro lugar, com base nos valores considerados essenciais e basilares; em segundo lugar, procurando dar o exemplo e explicando quando fugíamos ao padrão. No caso das mais novas (25 e 26 anos), aceitando as transgressões menores e reprimindo as maiores. O que lhes fez mais confusão, no crescimento e educação, foi o facto de ir alterando o meu comportamento conforme os anos passavam. Para elas eu deveria ser estático e proibir sempre o mesmo (facto que não ocorreu, de todo), porque muito do que se não autoriza aos 10 anos deve ser permitido aos 15 e assim sucessivamente.
Acho que «educar» é, ao mesmo tempo, não autorizar transgressões e transgredir com amor ou por amor (fazer um bolo de chocolate que se come antes do jantar, partido de qualquer maneira, mas pondo nisso muita cumplicidade e muito amor... É uma transgressão que se vai recordar e marcar para o resto da vida... É aquela transgressão que faz dos pais cúmplices dos primeiros amores adolescentes dos nossos filhos!).
Meu Deus, mas quem sou eu para estar para aqui a ocupar espaço.
Educar é amar... e chega, porque quando se ama, amam-se as virtudes e os defeitos (que se tentam corrigir, quando possível).
Deixe-se guiar pelo instinto (sim, pelo instinto, como qualquer animal, mesmo selvagem); ponha muito amor na forma, previamente untada de carinhos; vá sovando suavemente a massa, regando-a com algumas lágrimas de arrependimento; deixe levedar; depois, com as mãos enfarinhadas em conselhos, dê forma à massa quando estiver no «ponto» de ser pão, sendo cúmplice, confidente, companheira e crítica; leve ao forno em lume brando e retire quando tiver tostado. Estará pronta a ser servida, porque verá no olhar desse «pãozinho» a alegria de ter crescido ao lado de alguém que não esteve ausente ou, pior, indiferente.

tikka masala disse...

Muito lhe agradeço pelas suas sábias palavras. Pena não figurarem na página principal, que é o que merecem!

Vida de Praia disse...

Ser humano é mesmo assim: falta de coerência, a tendência a repetir experiências do passado no presente e brechas de auto-controle; mas desde que haja amor q.b. corre tudo bem : )

tikka masala disse...

Também me parece, é verdade. Mas mesmo que ela venha a ser uma BOA pessoa, o que me atemoriza é a perspectiva de ela vir a pensar "não quero ser como a minha mãe", que é uma frase que eu às vezes digo, infelizmente :(

Vida de Praia disse...

Estás a tentar atingir o impossível e inatingível, creio; todas as filhas de todos os tempos devem ter dito isso sobre as mães. Mas de certeza que a tua filha o dirá menos vezes do que tu : )

Anónimo disse...

Eu sei que estou atrasado mas, como diria o Vilhena, "mais vale de tarde do que nunca".
Isto de educar crianças é complicado. E duma responsabilidade imensa. Os erros cometidos podem criar gravísimos problemas no futuro da criança e condicionar todo o seu comportemento (para o bem e para o mal).
Mas o que me perturba é o facto de, numa matéria essencial, não haver formação obrigatória. Porque ninguém nasce ensinado.
E a autora deste blog, que está muito longe de ser analfabeta, mostra estar consciente das dificuldades que enfrenta.
Deixar a educação das crianças ao sabor dos caprichos dos pais (quantas vezes irresponsáveis, ignorantes e insensatos)é, em muitos casos, um autêntico crime.
Tenho dito.

tikka masala disse...

Chegou tarde, mas valeu a pena... e foi por uma boa causa! (Obrigada pela visita)