04/10/06

NÓS E ELES





Os comentários ao meu texto anterior deram-me que pensar e, finalmente, fizeram-me ter vontade de voltar a escrever sobre o tema.

Mais uma vez, parto de um mote lançado por Luís Alves de Fraga: «o machismo é uma defesa criada pelos homens contra o imenso poder das mulheres, nada mais!».

Mas não sei bem como começar... e, na verdade, nem sei muito bem o que tenho para dizer. Só sei que fiquei com vontade de explorar um pouco mais este assunto. Talvez porque o sinto como um problema, ou pelo menos como uma questão que ainda não resolvi inteiramente. E talvez, também, por me ter saído um texto sucinto, em verso, que insinua mais do que explica. E eu nisso pareço o Saramago: tenho tendência para andar às voltas, às voltas, em torno do mesmo, até à exaustão! E, naquele texto, não me expliquei o suficiente (pelo menos para mim).

O machismo parece-me bem definido ali, na sua essência. Bem mais difícil de definir será esse tal “imenso poder das mulheres”, mas parece-me indubitável que ele tem sido sempre sentido ao longo da história da humanidade, ao ponto de muitas religiões e tradições instituírem a inferioridade das mulheres a vários níveis, todos eles absurdos, mas ferozmente impostos pelos poderes de cada sociedade. Mas não é por aí que quero ir. Aliás, já escrevi sobre isso, a propósito de um documentário que vi na televisão.

Já vivi com dois homens.

Com o primeiro, foi uma luta constante. Primeiro, as meias sujas no chão, a falta de ajuda na confecção das refeições, na limpeza da casa, o desinteresse total pelas tarefas domésticas que eu, ao mesmo tempo (e paradoxalmente), ia assumindo. Seguiu-se a frustração perante a irredutibilidade dele, que nem depois de reconhecer a injustiça da situação fez um esforço por alterá-la. Finalmente, a resignação amargurada de quem aceita um destino de escravidão porque não sabe viver de outra maneira e porque se vê forçada a aceitar que esse destino é da sua responsabilidade.

Quando tive a oportunidade de começar de novo, do zero, não me enganei com ilusões. Sabia que o problema iria voltar a surgir e que estava em mim mudar de atitude, de forma a poder resolvê-lo de forma construtiva.

O meu querido marido não é um machista convicto, como muitos também não serão. Digamos que manifesta o “machismo involuntário e inconsciente” característico de muitos homens para quem a vida conjugal é um prolongamento da vida em casa dos pais, com a vantagem de a “mãe” passar a ter mais uma função ou duas. A culpa, reconheço, é nossa. Porque nós nos assumimos, em muitos casos, como as mamãs dos nossos maridos.

Agora que tenho quatro anos de experiência na segunda relação a dois, percebo que mudar esse tipo de padrão é muito mais difícil do que parece. Por mais conscientes que estejamos dos problemas, a mentalidade e, sobretudo, os padrões de comportamento são extremamente difíceis de contrariar.

O chavão é inevitável: é com amor e respeito mútuo que se conseguem os compromissos necessários para que nenhum dos dois se sinta lesado. Mas toda a gente sabe que o amor não se compra no hipermercado e que é algo que dá muito trabalho a manter vivo.

Acho especialmente interessante a sugestão da Vida de Praia: dar prioridade ao que é realmente importante e lutar por isso.

O pior é se der por mim a pensar que não apanhar as meias do chão é realmente importante...

Agora pergunto: será o machismo, hoje, uma defesa dos homens?

Parece-me que é antes uma incómoda herança que, apesar de estar prestes a deixar de fazer sentido, tanto homens como mulheres vão prolongando, querendo ou sem querer.


13 comentários:

Vida de Praia disse...

Nem tudo o que os homens fazem que irrita as mulheres vem de machismo, mas de outros hábitos, de outras prioridades. Todos os comportamentos são causas de outros comportamentos, que são causas de outros comportamentos. Ele faz A, como reacção tu fazes B, ele como reacção faz C. Se queres que ele faça D e não C, tens de encorajar o D em vez de criticar o C. 'tás-me a topar?
No exemplo das meias: um dia ele resolve por acaso pôr as meias no cesto de roupa para lavar. E tu vens toda satisfeita e sorridente e dás-lhe um piropo em relação a esse novo comportamento. Ele quer ver-te satisfeita e da próxima já sabe o que fazer.

papel químico disse...

isso não é o que se faz quando se treinam animais...? toma lá um biscoito? ooops, desculpem! eu nem sequer tenho animais de estimação.

Dulce disse...

LOL, desculpem lá, mas o comentário da papel químico, fez-me rir!

Agora: destas questões pouco percebo.
E como sou excessivamente feminista, por reacção a muito machismo com que fui agredida, abstenho-me de me pronunciar.

papel químico disse...

vou partilhar a minha experiência pessoal. eu tenho uma teoria de que se mudarmos a língua, mudamos os comportamentos. comecei assim, por recusar ajuda quando o meu marido, nos primeiros tempos, a oferecia. porquê? porque se aceitasse a ajuda estaria a assumir que a responsabilidade daquela tarefa era minha. pode parecer mesquinho, mas resultou. geralmente respondia: não, obrigada, não preciso de ajuda. mas se quiseres fazer qualquer outra coisa, estás à vontade. a divisão de tarefas acabou, assim, por ser um processo natural. um faz umas coisas enquanto outro faz outras, sem rasgos episódicos de generosidade para mascarar comportamentos mais tradicionalistas.

Vida de Praia disse...

Papel químico: és uma génia! Tiveste uma estratégia bem mais refinada do que a minha do biscoito (é mesmo!...). O engraçado é que se pode chegar ao mesmo resultado de maneiras diferentes. Lá em casa nunca fui vítima de atitudes machistas, e também não operamos com divisões tradicionais de tarefas; cada um faz o que gosta de fazer, mas somos flexíveis e estamos ambos muito satisfeitos com o nosso "arranjinho".

papel químico disse...

é verdade. o resultado acabou por ser o mesmo : ) eu pessoalmente não dispensaria os teus biscoitos, sobretudo os de gengibre ; )

tikka masala disse...

Devo dizer-vos que os biscoitos acabam por enjoar. Por outro lado, recusar a ajuda e sugerir que ele faça outra coisa é arriscar muito. E se ele vai ver se os canais estão todos bem sintonizados?!!
De qualquer forma, já vi um cartoon espanhol muito engraçado, que nunca mais esqueci: uma mulher casada comentava com outra, enquanto o marido da segunda estava espojado no sofá da sala a ver tv: «olha que são como os cães: se não os educamos nos primeiros três meses, já não conseguimos fazer nada deles...»

tikka masala disse...

E devo acrescentar que, neste preciso momento em que blogo, ele está a arrumar a cozinha, após o jantar :D

Anónimo disse...

A diferenciação entre homens e mulheres existe por causa da propagação da espécie. Caso contrário, como diria Jacques de La Palice, seríamos todos iguais (que monotonia!).
Mas nessa procriação o homem e a mulher desempenham papéis diferentes. Ao homem compete espalhar o mais possível os seus genes, à mulher, escolher o melhor pai para os filhos.
O conflito surge quando não há compreensão entre os dois. Nem as mulheres podem exigir que os maridos se comportem como mulheres, nem os maridos podem exigir às mulheres que sejam machos. Há que ceder terreno de parte a parte.

Vida de Praia disse...

Boa, Tikka, afinal não se está tão mal assim. Vai um biscoito de gengibre? : )

Isa Maria disse...

desde que escreveste este texto, cá em casa ando mais cuidados, ou seja, tento não ser a sua, dele, mamã

tikka masala disse...

A sério, Isamar? E consegues?!

tacci disse...

Já leram uma novela da Beatriz Lamas de Oliveira chamada «O Insecto Imperfeito»? Neste tipo de conversa, gostava de ouvir a vossa opinião sobre o livro (Gradiva, já agora). Se não leram, para aguçar o apetite: sabem o que é um «pentacolador»? Se leram, acham que também há mulheres que se dedicam à pentacolada ou são só os homens?
Cumprimentos.