29/11/07

Espírito natalício



Já imbuída de espírito natalício, a Mecas entoava a canção que aprendeu na escola:

- "...Deus nos colocou na Terra
para algo ensinar:
o melhor presente não é receber,
mas o melhor presente é daaaaaaaaaaaar!

Antes que eu pudesse comentar, comovida que estava com a oportuna moralidade da letra, ela sai-se com esta:

- Então, mãe... o que é que me vais dar?

28/11/07

Reviver o passado em Algés

Uma cara conhecida, uma voz querida.
Alguém que aparece e traz luz consigo. Melhor: traz um mundo inteiro: não o daqui, que de repente desaparece, mas o que era meu - nosso - há vinte anos. O nosso outro mundo, aquele que já não volta, onde já não é possível viver. O dos saudosos anos oitenta. O da nossa juventude.
Alguém que vem de lá, de repente, surpreendentemente, como se tivesse atravessado uma parede na minha frente. Igual, ou muito pouco diferente. Porque tem o mesmo olhar, a mesma presença alegre, tranquilizante, amiga.

"Estás igual!" - dizemos um ao outro, tentando enganar-nos, como se os anos de silêncio entre nós nunca tivessem existido. Como se o peso da vida que correu de lá para cá não nos tivesse vergado. Bem vistas as coisas, o que interessam as rugas, quando se tem a alegria de retomar a conversa interrompida há tantos anos?

Vontade de ficar horas assim, em ameno diálogo, como se tivéssemos recuado até lá, que se tornou aqui. Não importa onde, nem com quem estamos. Só importa a sensação de que não se perdeu nem um grão da nossa amizade, que afinal, sem nos darmos bem conta disso, trazíamos toda nos bolsos.

14/11/07

Dora



A tia Dorinha é uma mãe que eu podia ter tido.

Ela diz que sim, que sente uma ligação inexplicável entre nós, como se tivéssemos sido parentes muito próximas numa outra vida. E depois olha para mim com um ar sério, com os olhos bem abertos, mas eu não consigo evitar sorrir, porque a tia Dorinha foi feita para eu rir com ela, não para conversas sérias.

Ficou prometido há muito que escreveria sobre ela. E não é por tê-lo prometido que o faço agora, após mais de um ano. É porque ela merece. Mesmo que nunca venha a ler estas linhas, por falta de contacto com o mundo da blogosfera.

Dora foi casada com um irmão do meu avô, que foi para o Brasil no tempo da guerra. Casaram a primeira vez pela igreja e depois separaram-se. Mais tarde, voltaram a juntar-se e casaram novamente, dessa vez pelo civil. Mas a relação estava condenada e divorciaram-se pouco tempo após o segundo casamento. No final dos anos noventa, ele morreu. Mas a tia Dorinha continua firme, no seu apartamento do Leme, bem perto da praia, no coração do Rio de Janeiro. O coração dela, porém, não é dali, mas sim de Minas. Grande, generoso, aberto.

Eu não sabia de quase nada da vida dela, até ter ido passar uns dias lá a casa. Mas, mesmo assim, não consegui fixar muita coisa. Aquela existência é tão cheia de peripécias e aventuras improváveis, que só consigo reter alguns pormenores soltos. Para mim, o que fica depois de uma conversa é a ternura que emana da sua voz grossa, a expressão simpática e divertida dos seus olhos bem redondinhos e escuros sob a franja branca, a gargalhada franca da minha querida tia-avó distante, de cigarro numa mão e cerveja na outra.

E frases. Ficam-me frases como a do esparguete, que ela tirou da panela, enquanto cozia, e atirou contra a parede, por cima do fogão. Quando lhe perguntei porque fizera isso, explicou com graça espontânea: “Ué, quando tá bom, gruda!” Depois, a inevitável risada. E o contágio!

Dora... sempre surpreendente. Independente. Irreverente. Lembro-me, também, de ela me ter contado que um dia, anos depois da separação, resolveu casar com um americano. Quando se apercebeu de que as idas aos Estados Unidos implicavam incompreensíveis malabarismos burocráticos, desistiu do homem. “Eu ia ter que PEDIR para os Americanos, cada vez que queria ir lá?! Ora...!”

Quando ela veio cá a casa, comoveu-se até às lágrimas quando a minha filha, com três anos, lhe chamou “tiazinha”. Aquilo foi para ela uma adorável manifestação de afecto. É por essas e por outras que ela também gosta tanto de nós. E é tão bom ser “gostado” pela Dorinha... porque, mesmo sem nos falarmos durante meses, eu sei que ela pensa em nós com saudades.

Eu também penso muito nela com enormes saudades. Não gostava que ela vivesse aqui, porque então não seria aquela personagem vivaça e colorida, mineira de gema com gosto carioca. Mas gostava que ela viesse a Portugal mais vezes. Para me fazer sorrir com as suas grandes verdades sobre a vida. E para me fazer sentir um nó na garganta com aquela sugestão de que talvez já tenha sido minha mãe.

Letras com sentido


Há tempos que ela desenhava algumas letras e até dizia saber escrever, rabiscando no papel o que alegava ser o nome dela, ou mesmo outras palavras e até frases.

Contudo, ontem, pela primeira vez, a Mecas escreveu o seu nome.

Não sei se fiz bem (pedagogicamente falando), mas, como ela já conhecia algumas letras, primeiro desenhei todas as que ela teria de escrever, aleatoriamente. Depois, disse-lhe quais é que se repetiam. Finalmente, escrevi o nome, para que ela conhecesse a ordem certa das letras. E observei-a, maravilhada, enquanto ela as desenhou.

Porque é que eu me senti emocionada? Não sei explicar. Só sei que o facto de ela ter escrito o próprio nome, uma palavra com sentido, me comoveu.

Não até às lágrimas, para variar. Mas fiquei tão feliz!...

06/11/07

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Sempre me enterneceu o sentido estético com que os portugueses se fazem rodear de lixo visual.
No campo, as maisons de azulejos coloridos, os quintais onde se colecciona entulho sob chapas de zinco, os muros inacabados e desiguais, os leões nos portões, os alumínios a profanar casas antigas.
Na cidade, as antenas "paranóicas", os aparelhos de ar condicionado a pingar para a cabeça de quem passa, a roupa estendida em todas as janelas e varandas, mesmo nos prédios em que não há estendais de origem, enfim...

Neste caso, fiquei maravilhada com a escolha da tinta usada para cobrir os remendos... é azul e basta!