30/09/06

Mecas Espertalhecas


- Ó mãe, posso comer uma guloseima?
- Não, filha. Ontem comeste DUAS guloseimas! Hoje não comes nenhuma.
- Comi? Mas eu não me lembro...
- Não te lembras, mas comeste!

A Mecas faz uma breve pausa e sai-se com esta:

- Quem não se lembra não comeu!

E quando eu me rio e comento:
- Essa é muito boa!

Ela pergunta de imediato:
- Vais pôr no blogue?

28/09/06

Português dou vido!


- Eu sei fazer muitas labarismas, mãe!

Fiquei a pensar o que seriam "labarismas"... provavelmente malabarismos, mas onde é que ela teria ido buscar aquela nova versão abreviada e no feminino?! Depois percebi. Já devia saber que as crianças usam a língua com muito mais lógica do que ela tem.

- Na escola aprendi uma labarisma, mas agora já sei muitas!

Claro! Quando dizemos "um malabarismo", a criança não sabe onde começa a segunda palavra. Distingue a sequência que já conhece ("um ma") e o resto é a maravilhosa novidade! ("Não estou nada no vidade, mãe, estou no quarto!!")

27/09/06

AOS LEITORES SILENCIOSOS




Há um sentimento ambivalente que eu nutro pelos leitores deste blogue que nunca o comentam.

Por um lado, fico muito feliz quando me dizem que me têm lido, que costumam visitar esta página. Tenho vontade de lhes agradecer encarecidamente, embora nunca o faça, por pura vergonha. Fico extremamente satisfeita ao verificar que, afinal, não tenho apenas aqueles seis ou sete leitores que deixam a marca da sua presença, que felizmente há mais algumas pessoas (amigas ou desconhecidas) que gostam de ler o que escrevo.

Por outro lado (lá vem o senão...), quando amigos e conhecidos me fazem essa inesperada revelação, tenho vontade de perguntar: «tu lês o meu blogue? Ninguém diria... porque é que nunca comentas os textos?!» Como se quem lê sem comentar andasse dissimulado, e deliberadamente optasse por calar a voz que o levaria a comentar, só para passar despercebido. Ou seja, essas pessoas deixam-me desconcertada e, tenho de admitir, algo triste e insatisfeita.

Claro que isto não faz qualquer sentido. Alguns de vós até já se deram ao trabalho (obrigada!) de me explicar pacientemente que os leitores de livros também não os comentam, que as pessoas têm o direito de ler, apenas, que podem não ter nada para dizer, ou podem simplesmente não querer expor o que pensam, ou até mesmo não saber como. E é claro que eu própria tenho de admitir que não deixo comentários em todos os textos que leio (embora tenha esta mania parva de deixar a prova de que li o post, às vezes até com um comentário desenxabido, que mais valia ter guardado para mim...).

«Lá estás tu a criar um aspecto negativo numa coisa boa!» – Dir-me-ão os que me conhecem melhor. «Em vez de ficares contente pelo facto de lermos o teu blogue, tens de arranjar um motivo para que isso não seja totalmente bom.»

(Às vezes gosto de fazer este exercício, que é imaginar alguém a falar comigo, a contrapor-me uma outra visão das coisas, a obrigar-me a reflectir sobre o que sinto e penso.)

«Afinal, o que é que te incomoda? É o facto de não poderes controlar as visitas? De não saberes se leram ou não leram? De não saberes o que pensam do que escreves? De ficares na dúvida sobre o facto de concordarem contigo ou não? Escreves só para seres aceite?»

Bolas. Talvez este exercício seja duro de mais para fazer em público...

Enfim, caros amigos silenciosos, e após este desabafo, aceitem as minhas desculpas. Continuem a não comentar o que eu escrevo e a vir aqui sem que eu saiba. Eu tenho de aprender a lidar com isso! E muito obrigada por me quererem ler.

26/09/06

POSITIVAMENTE, ASSIM NÃO!

Se eu ando bem disposta e gozo de boa saúde, se gosto do meu trabalho, se até às vezes me atrevo a dizer (embora só quando estou sozinha), que sou feliz, porque é que arranjo sempre um problemazinho, um senão, uma contrariedade, uma desvantagem para contrapor às coisas boas que me acontecem na vida?
Alguém pergunta: «Está-se bem aqui, não está?» e eu respondo logo: «Sim, mas...» e depois qualquer coisa inconcebível como «é pena aquela garrafa ali a boiar no rio» ou «Só é pena o cheiro...»
Estamos juntos, abraçados, a desfrutar de um momento de sossego na companhia um do outro. Ele comenta, sorrindo. «É tão bom estar assim!...» E eu saio-me com esta: «Tsk! Pois é, mas eu tenho roupa para estender e é preciso levar o cão à rua!»
Como é possível?!
Quando não estou atenta, a frase que digo mais vezes por dia é “Que chatice”. E a seguir, costuma vir uma lamúria qualquer, tipo: a aula correu-me mal, não sei o que hei-de fazer para o jantar, tenho uma tradução para acabar, ou, simplesmente, tenho tanto que fazer!...
E no entanto, sou feliz.
Sou feliz porque gosto de me queixar? Sou feliz só enquanto houver preocupações? Sou feliz quando não está tudo bem?
Quando alguém me aconselha a deixar-me levar pelas boas sensações, porque elas são “o que se leva desta vida”, eu ainda sou capaz de responder que isso é uma ilusão, porque não levamos nada desta vida!
Quantas vezes é que vai ser preciso os outros chamarem-me à atenção por ser tão (desnecessariamente) pessimista? Quanto tempo vou demorar até perceber que a minha atitude só serve para chatear os outros? Quantos posts vou ter de escrever sobre o mesmo assunto até me curar? De quantos comentários vou precisar para perceber que isto assim NÃO resulta?!

23/09/06

UM DIA



Um dia, uma aluna minha apresentou na aula um trabalho sobre os velhos (tema sugerido por mim). Ficámos todos a chorar, de comoção, de culpa, de tristeza, sei lá eu, com as palavras e as imagens com que ela ali nos desarmou perante o sofrimento dos velhos e a crueldade dos mais novos, que, em muitos casos, não os tratam condignamente.

Uns choravam porque os avós tinham morrido há pouco, outros porque os avós ainda eram vivos. Todos, talvez, porque sabíamos que também lá chegaríamos, que sentiríamos na pele a fria indiferença de filhos e familiares ingratos.

A mim, que sou relativamente nova, parece-me que os velhos sempre foram velhos. Parece agora paradoxal dizer isto, que de resto é uma parvoíce, eu sei, mas a verdade é que, quando vejo uma pessoa muito idosa na rua, custa-me a crer que dentro dela há alguém jovem, ainda, um coração como o meu, que simplesmente está preso dentro de um corpo enfraquecido, vergado pelo peso dos anos que já viveu.

Com toda a honestidade, estou apenas a tentar exprimir aquilo que sinto, sem querer, e tenho plena noção de que um dia vou perceber exactamente como é que uma pessoa idosa se sente... e também vou ficar triste, ao constatar que os jovens pensam que sempre fui velha, que sou tão diferente deles como um extraterrestre.

Há um senhor com 91 anos com quem converso às vezes, porque costumava passear um cão, como eu. Há tempos deixou de o levar à rua, por receio de já não o conseguir controlar. Mas ainda vai até ao café, tomar a sua bica e ler o jornal. Quando me cruzo com ele, pergunto-lhe como vai. E ele responde, melancólico: «vai-se andando... com esforço, mas tem de ser. Tenho de andar, senão deixo de me conseguir mexer.» E depois, com um sorriso estranho, triunfal e desgostoso ao mesmo tempo: «Já são 91 anos!»

«Pois... tem de ser!»... O que mais posso eu responder?

E fico a imaginar aquele senhor a andar ligeiro, com as costas direitas, a pensar no que ele fazia quando nem lhe passava pela cabeça que seria velho, um dia.

MAIS UM TRUQUE


Lembram-se do truque de falar ao telefone para não termos de aturar aquelas pessoas chatas que nos vêm impingir coisas à entrada do hipermercado?

A mim custa-me, de facto, estar sempre a dizer “não, obrigado” – sobretudo quando a pessoa que me impinge seja o que for já me conhece, porque ali passo várias vezes. E há outra coisa que me chateia: são aquelas chamadas telefónicas em que me pedem para falar comigo («Gostaria de falar com a Dona tal...), ou com a dona da casa, ou com a pessoa que cá em casa usa mais a Internet, e depois começam com grandes rodeios a dizer que estão a falar da empresa tal e que querem fazer-me uma proposta muito aliciante, blá-blá-blá... e o jantar ao lume!

Um dia, estava eu a queixar-me de que sou uma palerma, porque fico a ouvir, em vez de dizer logo que não quero nada, quando alguém me deu uma belíssima ideia: assim que pedem para falar com a Dona tal, dizer simplesmente «sim, só um momento» e depois deixar ficar ali o telefone, fora do descanso, até que do outro lado se cansem de esperar. É um truque um bocadinho mauzinho. Mas fica ao vosso critério usá-lo ou não... Eu cá, agora, quase que desejo que telefonem a chatear!

22/09/06

UMAS MOEDINHAS

Uma vez, há muitos anos, estava eu em casa de uma professora de Francês que era minha vizinha e amiga, e tocou à porta um senhor que vinha entregar a nova lista telefónica e receber a antiga. Ouvi-o perguntar se não lhe dava uma gorjeta, ao que ela respondeu peremptoriamente: «Não. Boa tarde». Depois de ter fechado a porta, voltou para a sala comentando: «Era o que faltava! A mim também não me pagam o ordenado duas vezes!»
Na altura, pareceu-me que ela tinha sido fria. E pensei para comigo que talvez fosse por ser "forreta" que ela estava cada vez mais rica. Mas mais tarde, depois de ter passado a trabalhar para ganhar o ordenado, e após anos e anos a vê-lo sempre igual e a sentir o poder de compra a diminuir, tenho começado a cortar drasticamente nas gorjetas.
Realmente, há profissões, ou empregos, em que se ganha mal, em que o trabalho é duro e ingrato e em que os clientes contribuem (em muito) para que o empregado trabalhe melhor e se sinta mais bem recompensado. [Atenção, que "mais bem" usa-se com adjectivos participiais, não pensem que é gralha!]. Mas porque é que há-de ser o cliente a "sustentar" o empregado, quando já paga pelo serviço? Ainda por cima com os euros, as coisas pioraram. As moedas valem cada vez menos (deixar moedas que não sejam das "brancas" é quase ofensivo) e portanto as gorjetas saem cada vez mais caras.
Na pastelaria aonde vou regularmente, acho os preços altos de mais para a qualidade. Porque me hei-de sentir obrigada a compensar o empregado, que até é esforçado e merece, quando o preço do produto já é suficiente para cobrir a gorjeta? E se eu não recebo gorjetas pelo meu trabalho (que bom seria!...), porque é que me sinto obrigada a deixá-las aos outros prestadores de serviços?
Acabo por perceber a filosofia "Tio Patinhas" da minha antiga professora... e talvez consiga amealhar algum, como ela!

21/09/06

A máquina que foi para o céu




Já repararam que há algum tempo que não ponho aqui fotografias?
Pois é... dei cabo da máquina fotográfica.
Esta foi uma das últimas, senão mesmo a última fotografia que tirei com ela. Até parece que tive uma premonição.
Estou triste. Era uma boa máquina e ainda tão nova...

A RUA

Quando eu era pequena, tinha a felicidade de poder passar os dias na rua, sem correr perigo. Dizia, simplesmente, à minha mãe ou aos meus irmãos «vou p´rá rua» e passava horas e horas a deambular pela zona onde morava, com as minhas amigas.
Jogávamos ao elástico, íamos comprar pastilhas ou qualquer outra coisa para mastigar que os nossos escassos escudos permitissem, sentávamo-nos nuns degraus a conversar, íamos a casa umas das outras e de pouco mais me lembro, no que respeita a pormenores.
Só sei que era muito feliz e que aquela liberdade nunca vai poder ser sentida pela minha filha. Ela não vai saber o que é poder dizer «vou p´rá rua», passar uma tarde inteira a brincar na rua, chegar a casa a cheirar a rua, sentir a rua como uma espécie de recreio gigante.
Os tempos são outros e hoje em dia só os pais irresponsáveis é que deixam os filhos pequenos andarem pela vizinhança, sem saberem bem onde estão. Não creio que os meus pais fossem irresponsáveis. Simplesmente confiavam em mim e, sobretudo, confiavam na sociedade. Numa sociedade que já não existe.

20/09/06

TRUQUE PARA NÃO DIZER NÃO

Quem é que gosta de ser abordado por aquelas pessoas à porta dos supermercados que nos pedem para lhes dispensarmos um minutos do nosso tempo?
Se for para ajudar, como pedem os voluntários do Banco Alimentar contra a Fome, pego no saco e vou fazer as compras. Acho um óptimo sistema, embora já tenha ouvido dizer que, nos armazéns, a data de validade de muitos desses alimentos por nós oferecidos acabam por expirar antes de eles chegarem às mãos de quem precisa.
O que mais me irrita são aqueles homens de fatinho que nos querem fazer aderir a um cartão de crédito e me pedem para "chegar ali, se faz favor". E confesso que nem tenho pachorra para lhes dizer que não.
O meu truque costuma ser ir colada às costas de uma pessoa qualquer, de forma a que eles lhe peçam a ela, mas não a mim, por estar demasiado perto e não dar tempo. Mas nem sempre há alguém a andar ao mesmo passo rápido a que eu costumo deslocar-me.
Hoje, porém, ocorreu-me uma muito melhor e que vai funcionar sempre, daqui para a frente: peguei no telemóvel e comecei a fingir que estava a falar com alguém... Senti-me bastante ridícula por ir a representar, e pareceu-me que se notava que era tudo a fingir, mas na verdade era só impressão minha. Foi remédio santo!
Está a ver, Fernando, que os telemóveis até são bem úteis?!

18/09/06

MUITOS E BONS


“Tenho poucos, mas bons” – é um cliché que quase toda a gente gosta de aplicar aos seus amigos. Na verdade, é um tanto ridículo. Se fossem maus, não lhes chamaríamos amigos. Não basta constatar que são poucos? E por que não “muitos e bons?”

Infelizmente, não é possível ter muitos amigos. Eles são (quase?) tão importantes como os cônjuges e exigem tanta atenção como as crianças. Se não lhes dermos essa atenção, são capazes de não correr perigo de vida, mas a amizade é que acaba por se esvair, transformando-os a eles, e transformando-nos a nós, em meros conhecidos (ou será que são estes os amigos menos bons?).

A nossa vida, enquanto adultos responsáveis e trabalhadores, não nos permite darmo-nos ao luxo de manter todas as amizades, por mais que nos esforcemos por cultivá-las. Acabamos por ver-nos obrigados a escolher entre colegas de trabalho e amigos de longa data, porque não temos tempo para todos. Se é verdade que, ao longo de toda a vida, ela nos vai oferecendo excelentes e insuspeitadas oportunidades de criar laços de amizade, é inegável que, em muitos casos, para abrir a porta aos novos é preciso “abandonar” alguns antigos. Não é uma escolha consciente, mas acabamos por fazê-la aos poucos, quase sem dar por isso. Quem é que não se ouviu já dizer várias vezes: “tenho de telefonar a este ou àquela, já não falo com ele(a) há tanto tempo...”

Eu tenho a felicidade de fazer novos amigos regularmente, com facilidade, mas não posso gabar-me de ter sido capaz de manter vivos os laços que me ligavam a muitos outros que foram ficando pelo caminho, porque eu (e eles) deixámos. É uma realidade triste, às vezes dá-me vontade de correr o mundo à procura de pessoas que já não sei onde estão. E de repente, fico com imensas saudades de vocês! Anne-Laure, Elise, Jessica, Jeanine, Anna, Michelle, Paul, Adrian, Sandra, Madalena... onde quer que estejam, sintam o meu abraço longíquo. Posso ter falhado, mas não me esqueci de vocês!

15/09/06

CONFIDÊNCIA

Às vezes chego à conclusão de que não sei estar socialmente.

Entre amigos, ou digo coisas despropositadas, quando não são mesmo inoportunas, ou fecho-me num silêncio constrangedor e também despropositado. Ofendo-os sem querer, com palavras mal escolhidas, ou com a falta delas. Por vezes ainda, com palavras certas tornadas infelizes pelo tom errado.

Mas noto que tenho uma postura desadequada sobretudo quando estou em locais públicos, entre desconhecidos. Nas lojas, nunca sei como hei-de olhar as empregadas que se me dirigem. Sinto sempre que ainda não acertei na fórmula: ou falo com elas timidamente, olhando para o lado, fugindo ao seu olhar, como se fosse um bicho-do-mato, arrogante ou mal-educada; ou então resolvo fixá-las nos olhos e parece-me que lhes estou a dar confiança a mais, ou a agir como se elas já me conhecessem há muito tempo. E sinto que elas estranham a minha inesperada simpatia.

Na praia, nos cafés, no cinema, olho fixamente para pessoas desconhecidas que passam, como se ainda pudesse gozar daquela impunidade que só se concede às crianças, quando ficam especadas a mirar-nos de alto a baixo. Eu olho com essa inocência, apenas por curiosidade, mas sei que não posso. Ou pelo menos não devo. É que tudo me chama a atenção, por uma razão ou por outra. E esta mania de blogar não ajuda, porque me torna ainda mais indiscreta na minha tendência para o voyeurismo!

Enfim, não é para me queixar, nem para me auto-flagelar. É só para partilhar convosco esta confidência. Se houver mais alguém assim, já não me sentirei tão esquisita!

Ainda o passeio

Foi giro ver a nossa casa do outro lado, para variar... mas não foi fácil descobri-la!




À espera do barco de regresso, vimos uma enorme alforreca, ou medusa, ou lá como se chama,
flutuando vagarosamente na água suja do rio.
Estaria morta? Custa acreditar que sobrevivam por ali animais ou plantas...





14/09/06

NÃO DEVE SER...


É normal passar uma vida inteira a fazer planos que nunca chego a concretizar?
É normal estar sempre a pensar que vou mudar, ser mais enérgica, menos preguiçosa, e continuar invariavelmente na mesma?
É normal já conhecer bem os meus projectos, por ter pensado tanto neles, de tal forma que é quase como se eles existissem de facto?
É normal passar as férias a imaginar tudo o que vou concretizar quando chegar a casa e depois passar o resto do ano todo a pensar que nas férias é que vou concretizar essas ideias?
É normal continuar a pensar que tenho vinte anos e a vida toda pela frente quando já não tenho?
É normal não desejar nada, para não ter de viver com esse desejo irrealizado?
É normal viver mais dentro da minha cabeça do que fora dela?
É normal querer aproveitar a vida e não saber como?

13/09/06

recordações cinzentas num dia de chuva

Quando eu era pequena, passava férias connosco uma prima minha que era três anos mais nova do que eu e que, como não recebia habitualmente a esmerada educação transmitida pelos meus pais, tinha às vezes comportamentos que era preciso repreender. Basicamente, a pobre rapariga tinha a sorte de ir connosco à praia durante um mês inteiro, mas em contrapartida recebia doses diárias de educação reforçada, como uma espécie de vacina que se esperava que fizesse efeito até ao ano seguinte.

Lembro-me de todos a censurarmos por ser bisbilhoteira e por ficar especada a olhar para as outras pessoas na praia, o que nos envergonhava sobretudo quando estavam a comer, porque ela era extremamente magra e os outros podiam ficar com a impressão de que tinha fome. É verdade, era o que os meus pais diziam.

Tenho também a perfeita noção de que eu, na minha inocente maldade de criança, fugia dela sempre que podia, porque detestava ter de andar sempre acompanhada por uma miúda três anos mais nova (nova de mais!) e que me imitava em tudo o que fazia e dizia. Em vez de me sentir lisonjeada por ser uma espécie de modelo para ela, irritava-me e chamava-lhe “imitona”, como se esse fosse o pior defeito que alguém pudesse ter.

Mas pior ainda era quando eu e os meus irmãos, que eram mais velhos, resolvíamos atormentá-la, dizendo-lhe que tinha ido passar o Verão connosco apenas para que engordasse e depois pudéssemos comê-la. Como tinha uns quatro ou cinco anos, ela acabava por acreditar, ou pelo menos ficava com algum receio de que a história tivesse fundamento. O clímax desses momentos de terror chegava quando eles pegavam nela ao colo e diziam que a iam pôr no forno. Então ela começava a gritar e chegávamos à conclusão de que bastava de brincadeira.

Durante esses anos em que ela passou o Verão connosco, eu nunca me senti propriamente mal por tratá-la como se ela fosse uma praga, uma maldição. Sentia-me tão injustiçada por ter de passar a melhor altura do ano na companhia indesejada de uma “criança” (como se eu fosse muito crescida...), que não havia lugar para a amizade ou a compaixão. Para mim, ela era apenas um mal necessário que eu acabei por converter no alvo indefeso da minha raiva, no bode expiatório das minhas angústias, na presa fácil da minha crueldade.

Mas mais tarde, muitos anos depois de ela ter deixado de ir connosco, quando já nem eu nem os meus irmãos passávamos um mês inteiro de férias com os nossos pais, era ela já uma mulher, tive um dia um rasgo de lucidez. Todas as maldades que eu lhe tinha feito, e que a minha memória tinha habilmente empurrado para um cantinho escuro e esquecido da minha mente, ocorreram-me de repente, apertando-me o coração numa culpa, numa vergonha, num arrependimento horríveis.

Chorei por ela e por mim, pedi-lhe perdão. E ela desculpou-me com um “deixa-lá-isso” despreocupado, dizendo que nem se lembrava bem desses tempos. Como se as estaladas que eu aproveitei para lhe dar, quando ninguém via, tivessem sido sem querer, um acidente. Como se tratá-la daquela maneira fosse normal ou insignificante. Pois... “Éramos crianças, afinal”. Sem dúvida. Mas isso a mim não me tira o peso da consciência.

12/09/06

O FEIO

Um dos ensinamentos que a minha mãe me transmitiu é particularmente curioso e resulta de uma singular junção entre valores estéticos e morais: trata-se do conceito do “feio”.
Sei que na tradição oral, o feio está de tal forma associado ao mau, que é quase impossível distinguir um conceito do outro. Nas narrativas tradicionais, os protagonistas (bons) são sempre bonitos e os vilões ou vilãs são notoriamente feios. Por influência desses preconceitos, ainda hoje quase ninguém resiste a criticar as crianças que se comportam mal dizendo-lhes que são “feias”. Como se a fealdade exterior tivesse alguma relação com a maldade, a teimosia ou a má educação, defeitos que assim se tornam numa espécie de “fealdade interior.”
A preocupação da minha mãe não seria propriamente transmitir-me valores tradicionais, nem me lembro de alguma vez ela me ter contado uma história. Mas a importância do bonito como oposto do feio que ela sempre se empenhou em incutir-me vai muito para além da estética e reveste-se de uma série de qualidades que, se não são valores morais, são a única espécie de educação explícita que eu recebi.
Ao longo de toda a minha infância e adolescência, não me lembro de me terem ensinado a não mentir, a respeitar as diferenças, a valorizar a humildade, a partilhar, a saber ficar calada nos momentos certos, ou a honrar compromissos e promessas – o que teria sido realmente útil e importante, a meu ver. Mas em contrapartida fui recebendo e assimilando inúmeras lições sobre o que era feio, e que incluía posturas e atitudes tão inócuas como comer só com o garfo, perguntar “quem é?” quando alguém tocava à campainha, dizer “com licença” quando nos saía um arzinho involuntário pela boca, ou perguntar “o quê?” quando queríamos que alguém repetisse o que não tínhamos ouvido. Tudo isso era feio e o bonito, que era o correcto, era comer sempre com os dois talheres, perguntar “faz favor?”, não dizer rigorosamente nada e perguntar “diga?”, respectivamente.
O feio servia assim para classificar todos os comportamentos desviantes da etiqueta que a minha mãe cultivava. Mas também era invocado para justificar a necessidade de manter tudo limpo, arrumado e – sobretudo – no lugar e na forma por ela desejados. Não era apenas uma questão de estarem as camas feitas, os brinquedos nos seus lugares, a roupa arrumada, tudo impecável. Havia também outras imposições mais difíceis de compreender e que afinal só na sua lógica pessoal podiam fazer sentido: uma porta, por exemplo, que devia ficar aberta ou fechada, porque só nessa posição é que ficava bem. Ainda hoje, a minha mãe não consegue jantar sossegada na sala, se souber (mesmo de costas!) que a porta da cozinha está aberta, e não tem nada que ver com correntes de ar!
Quando perguntávamos por que não se devia ou podia fazer isto ou aquilo, deixar as coisas de outra forma, a resposta dela era apenas uma: «porque é feio». Aliás, duas, porque havia a variante: «porque não é bonito.»
E assim fiquei marcada para o resto da vida por esta preocupação excessiva com a aparência, a organização, a posição das coisas, com o que fica bonito e o que não fica. E dou por mim a explicar a razão das minhas escolhas (ou imposições) simplesmente assim: porque é muito mais bonito.

10/09/06

OS OUTROS



Os outros são todos aqueles que não conseguimos compreender e por quem não sentimos qualquer espécie de afinidade.

Os outros incomodam-nos sobretudo quando vivem perto de nós, quando se cruzam connosco ou quando frequentam os mesmos espaços que nós. São as pessoas que cospem para o chão, as que começam a fritam carapaus quando nos sentamos para almoçar na varanda, as que deixam beatas na areia da praia, as que não apanham os cocós dos seus cães, as que enfeitam os carros com adereços, as que conduzem em fila lenta, a apitar continuamente, quando vão para um casamento, as que gozam com o gorila triste atrás das grades, no Jardim Zoológico, as que deitam lixo para o chão, as que penduram um Pai-Natal na janela da sala e o colete reflector no banco do carro.

Depois há os outros pura e simplesmente estranhos, os que falam uma língua incompreensível, têm uma cor de pele diferente, comem coisas intragáveis e têm hábitos inconcebíveis. Esses incomodam menos, porque costumamos manter-nos à distância – ou mantê-los a eles à distância.

Os outros outros, aqueles que realmente nos chocam, são as pessoas que abandonam cães na auto-estrada, crianças às portas, idosos nos lares, as que se drogam, as que ateiam incêndios, as que discriminam ou ignoram quem precisa de ajuda, as que maltratam outras, as que roubam, as que matam.

Mas independentemente do seu grau de estupidez ou maldade, os outros têm todos algo em comum e diferente de nós: são maus. Os bons somos nós.

É ou não é assim que tendemos a pensar?

Por mais que queiramos ser tolerantes, por mais que nos esforcemos por aceitar a diferença e amar – ou pelo menos respeitar – o próximo, a verdade é que todos já nos surpreendemos a pensar, ou a dizer, ou a fazer algo que estabelece essa fronteira qualitativa entre nós e os outros.

E o que acontece quando descobrimos que alguns dos outros estão, afinal, entre nós, porque fazem parte da nossa família ou porque entraram para o círculo dos nossos amigos?

E como ficamos quando percebemos que, surpreendentemente, há quem pense que NÓS fazemos parte dos OUTROS?!

09/09/06

PASSEIO DE BARCO


O que faz um jacto de lodo a cair para o rio?
Não percebi.
À chegada à Trafaria, quase me arrependi de lá ter ido.
Impossível ignorar os cheiros nauseabundos que sujam a paisagem.
Venho comer a esta terra... será que o peixe é de confiança?
Saímos da estação e começamos a andar pela rua, debaixo de um sol cada vez mais incomodativo, em direcção a uma zona pedonal igualmente dominada pelo mau cheiro. Há três restaurantes convidativos, cada qual com a sua lista de especialidades à porta.
Hesitando, mas ansiosos por entrar num local mais fresco e aprazível, escolhemos o do meio, que estava menos cheio. Seria mau sinal?
Não era.
Comemos uns saborosos linguadinhos fritos com açorda e fomos bastante bem tratados. Mas chegar cedo é uma clara vantagem. No fim da refeição, reparámos que à nossa volta havia várias caras insatisfeitas com a demora do serviço.

Saímos por uma porta diferente e reparamos nas duas gaiolas, cada uma com os seu passarinho colorido, delicado e assustadiço, que esvoaça, nervoso, quando me aproximo com a máquina fotográfica.
A Mecas espreita-os ao colo do pai e depois caminhamos de volta para a estação, onde se vai juntando cada vez mais gente. Afinal, o barco é só de hora a hora.

Na viagem de regresso, foi o pai que tirou fotografias.
Ao todo no passeio, em números redondos, tirámos umas cem. Grande vantagem, não ter de comprar rolos nem pagar revelações!

Quando chegámos a Belém, nem queríamos acreditar na confusão. Havia gente por todo o lado, carros aos montes, fila para sair do parque, a conta-gotas. O que se passaria? Algum concerto, provavelmente.
Se soubéssemos, talvez nem tivéssemos saído de casa para fazer este passeio. Mas ainda bem que saímos de casa na ignorância. Tão bom, fazer um programa agradável e ainda por cima contra a maré da multidão!

PASSEIO DE BARCO



Um programa improvisado, depois do pequeno-almoço:
Ir até Belém, apanhar o barco para o outro lado e almoçar por lá.
Após a euforia inicial, a Mecas resolve fazer birra porque eu não levei o chapéu que ela queria... resultado: foi de trombas até à Trafaria!
Porto Brandão podia ser em África? No Brasil? Palmeiras à beira da água, esqueletos decadentes de edifícios antigos. Pena de não ter sido tratado de outra forma, este cantinho.
Apesar de tudo, uma certa harmonia no ar.
Olha ali, tão giro! - Mas ela não olha. Faz gala em ser assim difícil.
E eu entendo, porque era exactamente assim. Capaz de desperdiçar uma bela oportunidade de estar feliz, de ver coisas novas, apenas em nome de uma teimosia parva que só para mim tinha razão de ser. Aproveitei para a fotografar e consegui tirar uns retratos bem bonitos.
Afinal, até zangada ela é querida!

Que mundo este, em que as plantas se vêem obrigadas a arranjar maneira de pedir às pessoas que não acabem com elas! Algumas até já aprenderam a escrever português... sem erros!

07/09/06



Mecas – Ó mãe, o Colombo das bicicletas já ‘tá fechado?

Mãe – Não é Colombo, filha, é o Decathlon.

Mecas – Ó mãe, o Decatlombo já ‘tá fechado?

06/09/06

EU E OS CASAMENTOS II

Para continuar o texto que iniciei ontem sobre a minha relação com os casamentos, nada melhor do que partir de um comentário particularmente sugestivo...

Comentário de Luís Alves de Fraga ao post “Eu e os casamentos I”:

Minha Cara Amiga,
Com a experiência de vida que já tenho e dentro do maior respeito pela sua postura, digo-lhe que este assunto dava um excelente tema para psicanálise.
É que, pelos vistos, a sua aversão ao casamento parece passar só pela festa, mas será? Como não cabe ao psicanalista (neste caso «selvagem») dar as respostas, deixo-lhe, para pensar, a pergunta.

Antes de mais, tenho de agradecer a este ilustre comentador por me ter dado o mote de continuação do meu texto. Na verdade, não sabia muito bem como começar a segunda parte, mas sabia que iria acabar por falar do inconsciente!

Então, voltando ao ódio, será realmente a festa o que mais me incomoda? Incomoda bastante, é realmente um SECA DESCOMUNAL. E a missa? Pois... eu não sou católica e confesso que tenho pouca paciência para missas. Mas a questão é que eu não me casaria nem pelo civil. E sem festa talvez pensasse nisso. Sem festa por causa do trabalho que as festas dão. É que não compensa. TODOS os meus amigos que se casaram dizem que o tempo passa a correr e que nem apreciam devidamente a ocasião, de tão cansados que estão. E também não queria festa por causa do dinheiro que se gasta. (A minha mãe dizia-me às vezes: «vês? Se tivesses casado, já tinhas um serviço da Vista Alegre...»)
Mas ele quer casar sobretudo pela festa e não se conformaria com um simples vamos-ali-despachar-isto-num-instante. Agora, os advogados do diabo poderão perguntar: será que tu dizes que casarias pelo civil sem festa porque sabes que ele não quer isso? Ou seja, não estarás a fazer bluff? Bom... nunca se sabe. Mas afinal porquê?! Se eu quero viver com ele para sempre!...
De facto, e como acrescentou o nosso “moralista de domingo”, a minha atitude para com os casamentos é mais típica dos homens e, penso eu, mais rara nas mulheres. Isso leva-me a pensar que não se trata de um sentimento natural em mim, mas antes uma espécie de reacção inconsciente relacionada com algum trauma ou com algum receio subliminar.
Primeira hipótese: os meus pais davam-se mal durante a minha infância, levando-me a sentir que o compromisso entre eles só servia para os obrigar a manterem-se juntos quando prefeririam estar separados? Bem, lembro-me de bastantes discussões, mas não posso dizer que me traumatizaram a esse ponto. Só o meu incosciente é que pode falar, mas eu confesso que não estou em condições de fazer o investimento financeiro exigido pela psicanálise para descobrir!
Segunda hipótese (mais arriscada): eu odeio casamentos porque tenho pavor de me comprometer para a vida e é por isso que não quero ser confrontada com o compromisso que os OUTROS têm a coragem de assumir? Bem... hoje, mais do que em qualquer outro momento da história, o casamento está longe de ser uma decisão irreversível. Para além disso, eu vivo com um homem a quem chamo marido (na verdade, não tenho muitas opções não risíveis... amante? amigado? namorado? amancebado? companheiro?), temos uma filha e vivemos felizes, tal e qual como se tivesse havido essa tal celebração que me causa tanta repulsa. Continuo sem perceber.
Terceira hipótese: por favor, ajudem-me a encontrá-la. Nem que me dêm só uma pista!

05/09/06

PARÊNTESIS

Antes de continuar, tenho de fazer um parêntesis: na fotografia, que foi mal escolhida para o texto anterior, mas era a única que tinha, estou no melhor de todos os casamentos a que já fui. Por isso mesmo, telefonei à minha amiga quando acabei de publicar aquele post a avisá-la e a pedir-lhe que não se zangasse comigo.

Na verdade, o que escrevi atrás não se aplica ao casamento dela, que foi muito especial, por muitas razões: fomos de propósito ao Brasil para assistir à cerimónia e passámos dias incríveis na companhia das famílias dele e dela, grande parte das quais não conhecíamos. Fomos acolhidos com a hospitalidade mais alegre, genuína e emocional que pode haver. Fizemos novos amigos para o resto da vida. Chorei como uma Madalena durante a missa, de pura comoção (e talvez também de raiva, por não ter querido viver um momento assim, como noiva, e ser tão feliz como ela, e fazer a minha família tão feliz como eles fizeram). Talvez nesse dia eu tenha conseguido deixar entrar em mim um pouco da beleza e da magia do casamento.

No final da cerimónia, cumprimentei os pais dele e dela e chorámos todos, porque eles viriam viver para Portugal e as famílias são, respectivamente, brasileira e belga. Como padrinho e melhor amigo do noivo, o meu marido seria uma espécie de protector do casal, no nosso país. Como únicos Portugueses no meio de tantos convidados, sentimos com orgulho a responsabilidade daquela oferta, daquela entrega: os pais confiavam em nós para olharmos pelos nossos amigos, para cuidarmos deles. Foi quase como se nós nos tivéssemos casado ali com eles também, num pacto de amizade.

Durante a festa, é claro que me senti cansada, que desejei livrar-me daqueles sapatos, do desconforto do calor. Mas a companhia era excelente. E quando todos se puseram a saltitar pela sala formando o inevitável comboio, eu diverti-me a filmá-los em vez de ficar a resmungar a um canto.

Se pudesse, repetiria essa viagem todos os anos, e todos os anos iria ao mesmo casamento. E em todas as ocasiões, sentir-me-ia feliz e comovida. Se isso fosse possível e de facto acontecesse, talvez daqui a uns tempos eu acabasse por escrever um hino aos casamentos!

EU E OS CASAMENTOS I


Depois de ter escrito o post anterior, tenho de arranjar maneira de contornar este tema de forma a não me contradizer muito...
Talvez fosse bom começar por dizer que não sinto o que vem a seguir por estar contra, mas simplesmente por....
Ok, não funciona.
(Suspiro).

Bom, entrando no assunto por outro lado, vou começar por dizer que já estou para escrever isto há muito tempo, mas agora, por falta de outro tema e vontade de finalmente me “livrar” deste, resolvi não adiar mais este desabafo.
E pensando bem, é bom que os meus queridos leitores saibam como eu consigo ser incoerente. Afinal, a incoerência é um dos meus muitos defeitos, mas eu não tenho problema nenhum em admiti-los. E prefiro que os outros saibam que os tenho. O Calvin (sim, o do Hobbes) disse algures que fazia tudo mal para manter baixas as expectativas dos pais. Eu exponho os meus defeitos pela mesma razão.
E vamos ao assunto que me faz teclar hoje noutro ficheiro que não o da malfadada tradução.
Tenho um ódio visceral aos casamentos.
Pronto, basicamente é isto.
E porque é que isso me incomoda ao ponto de me fazer escrever sobre isso?
Bem, por vários e sérios motivos.
Primeiro, foi por causa disso que não me casei. A última coisa que quero na vida (das que os outros acham que são boas, claro) é ver-me dentro de uma igreja com vários fotógrafos apontados para mim; sentir-me entediada perante infinitas fotos com todos os amigos, familiares e amigos dos pais, de pé, à frente de um fundo adequado; andar num vestido de noiva a passear entre mesas de convidados e a perguntar se estão a gostar; e antes disso ter as inúmeras preocupações e canseiras para organizar o chamado copo d’ água – expressão que tem tanto a ver com a boda como eu tenho a ver com casamentos.
Quando a minha filha me pergunta se casei com o pai, ou quando casei, onde onde é que ela estava quando casámos, é claro que eu lhe digo que sim, que foi antes de ela nascer. E não acredito que ela um dia nos vá censurar por não sermos casados. Mas foi complicado fazer com que os meus pais aceitassem esta minha decisão e também não me senti propriamente feliz e confortável quando engravidei, trabalhando numa empresa onde a maior parte da chefia e muitos funcionários pertencem à Opus Dei.
Depois, isto causa-me algum incómodo porque de vez em quando é preciso ir a casamentos e eu ABOMINO as festas de casamento. É para mim um sacrifício passar meio dia de saltos altos a cumprir um ritual que não me diz nada, na maior parte das vezes entre pessoas desconhecidas com quem não tenho o mínimo interesse em estar. Estou-me nas tintas para a boa comida e os bons vinhos – felizmente não tenho falta disso no dia-a-dia. Odeio dançar e detesto perder tempo e num casamento PERDEM-SE horas preciosas em que se podia estar na praia, no campo, a trabalhar (sim, eu preferia trabalhar), a dormir, a fazer amor, a passear, a blogar!! Pior do que um casamento, só mesmo um casamento no pino do Verão.
Finalmente, sinto-me sempre mal quando as pessoas falam de casamentos (sobretudo mulheres, que têm uma visão mais sentimental da coisa). Quando me pedem para comentar, para contar como foi, como era o vestido da noiva, só me apetece ser mal educada. Quando as minhas amigas falam do dia mais feliz da vida delas, limito-me a sorrir, mas não encontro nada para dizer. Quando me mostram as fotografias, faço um esforço, mas é sempre um esforço. Afinal, são tantas e todas tão parecidas!...
Que me desculpem todas as minhas amigas a cujo casamento fui (e que agora estão a ver que fiz um sacrifício). Perdoem-me, mas eu não consigo controlar este sentimento! A única coisa que posso dizer em nosso abono é que fiz esse sacrifício em nome da nossa amizade! E agora, porque este post já vai longo, vou publicá-lo assim e deixar o resto para amanhã. Senão ninguém me lê até ao fim.

04/09/06

críticos há muitos!

Quando eu me fartei do outro blog, um amigo felicitou-me por ter deixado de escrever aquele tipo de artigos, sistematicamente críticos e maldizentes (que eu própria, de resto, sentia serem demasiado negativos e pouco simpáticos para muito boa gente). Decidi, a partir de então, procurar ser menos crítica dos hábitos e gostos alheios e mais tolerante nas minhas opiniões.
Há dias, quando me queixei de não ter encontrado ainda um tema, uma ideia, para escrever uma espécie de livro (ou lá o que fosse, para usar a expressão do Jaime), outro amigo sugeriu que eu encontrasse alguma coisa com a qual não estivesse de acordo e que escrevesse “contra” ela, como, segundo ele, recomendava João Gaspar Simões.
Entendo que um posicionamento desses possa conduzir a uma escrita rica e dinâmica, sobretudo se as críticas em que se baseia forem construtivas. Faz todo o sentido, quando temos uma preocupação social e acreditamos que podemos contribuir para um mundo melhor, escrevendo sobre o que está mal e como poderia ficar bem. Tudo depende do que se critica, claro. Criticar é fácil, ser “do contra” é do mais banal que há, embora propor alternativas viáveis àquilo que se condena já não seja para todos.
A minha tendência natural para me indignar com os comportamentos alheios, para me queixar de tudo o que me desagrada nos outros, não me tem levado propriamente a construir nada de positivo, apenas a desabafar umas lamúrias frouxas e monótonas que não contribuem para que o que está realmente a precisar de mudar mude de facto.
Portanto, conclui-se o seguinte: antes de mais, vou tentar pensar duas vezes antes de condenar os outros. Depois, para já, vou deixar a escrita de romances (ou lá o que for) para o Jaime, que está cheio de pedalada. Não desistas, J!

02/09/06

COMBINAÇÃO EXPLOSIVA



Trabalho chato e comprido, sedentarismo (ou melhor, “sentadismo”) 12 horas por dia, gulosice crónica e habilidade para fazer pizzas deliciosas. Perigo de explosão!

01/09/06

SONS

















Há tempos escrevi uma crónica no meu outro blog sobre os cheiros da cidade.
Desde essa altura, tenho pensado nos sons.

Há sons que me desagradam, porque me impedem de me concentrar, ou porque acredito que vão perturbar o sono da minha filha.
A pior coisa que me podem fazer (em termos de sons, claro, e dentro das possibilidades do quotidiano), quando estou a adormecê-la ou a tentar dormir, é virem fazer barulho para baixo das janelas dos quartos. Infelizmente, acontece muito, sobretudo no Verão. Grupos de rapazes e raparigas com cães chatos que ladram por tudo e por nada, ou pessoas com crianças gritantes vêm plantar-se aqui por baixo, por ser um sítio recatado, com um bebedouro e um parque infantil. E o pior que me pode acontecer (ainda em termos de sons, porque este post é só sobre sons), quando estou a tentar trabalhar é ouvir um cão a uivar ou a ganir continuamente por estar fechado nalguma varanda.
Reparem que me refiro a sons e não a ruídos, porque de facto não considero que se trate de ruídos propriamente ditos. Na verdade, são sinais de presenças que certamente não incomodariam muita gente, mas que me incomodam a mim.
Mas há sons que me apaziguam, que me fazem sonhar ou simplesmente sorrir. As gargalhadas da minha filha, claro, os regadores da relva, à noite, a passagem de um comboio lá em baixo, junto ao rio, que só de longe em longe chega até aqui, ou, melhor ainda, aquele mágico chamamento dos paquetes que passam mesmo aqui à frente, convidando-me a fazer um cruzeiro (e eu sempre a ter de declinar o convite...). Curiosamente, até o tinir de pratos e talheres nas cozinhas alheias, quando passeio o cão à hora de jantar, me agrada.
Então o que está ali a fazer o pinheiro? – estão vocês a perguntar-se há umas boas linhas. Este pinheiro é uma das minhas fontes preferidas de sons agradáveis, quando passeio o cão. Não há dia em que não pare debaixo dele, a ouvir o vento a sussurrar nas agulhas. Fecho os olhos, debaixo da sua sombra fresca, e apercebo-me de que um dos meus desejos é ter um quintal para poder albergar um pinheiro assim, mansinho, musical. Já repararam que basta um pinheiro para recriar o ambiente de todo um pinhal?

DÚVIDA EXISTENCIAL

O que é educar bem uma criança?
Sempre foi a minha dúvida, desde que soube que estava grávida. Quer dizer, claro que tinha noção dos valores que gostaria de transmitir à minha filha – respeito pelo próximo, pelas diferenças, pelo ambiente, solidariedade, humildade, auto-confiança, etc, etc. – mas a dúvida coloca-se-me quanto à forma como estes valores devem ser transmitidos.
Tudo seria muito simples se se tratasse de optar entre dar “lições teóricas” ou simplesmente agir conforme esses valores, educando pelo exemplo. Ou se bastasse adoptar um modelo misto, que combinasse ambas as estratégias. Mas toda a gente sabe que uma coisa é dizer e outra é fazer. E todos os que têm filhos já foram apanhados por eles a terem comportamentos contrários àquilo que lhes ensinam (dizer “Não se fala com a boca cheia” com a boca cheia é um dos clássicos).
Então, como devemos gerir este delicado compromisso entre impingir regras e quebrá-las a toda a hora? E como agir quando fazemos o que não devemos em frente aos filhos?
A minha sensação é de que os meus pais nunca se preocuparam com isso. E confesso que também não me lembro de os questionar a esse propósito. Lembro-me talvez de os observar com algum rancor (palavra forte, mas que neste momento vai ter de servir porque não me lembro de uma mais adequada), quando eles faziam o que estava errado mas que afinal eles (só eles) podiam fazer. Recordo-me de um sentimento que se traduzirá por: “deixem-lá-que-eu-quando-for-grande-também-hei-de-fazer-isso”.
Naturalmente, não é isso que eu quero que a minha filha sinta. O que me aconselham?