31/08/06

RECEITA PARA UM BOLO PERFEITO


Fazer o bolo no regresso da praia, quando já passa da hora de jantar e ainda nem se tomou banho. Derreter o chocolate no microondas, em vez de ser em banho-maria. Usar açúcar normal, em vez de ser em pó, como diz a receita. Partir os ovos às três pancadas, de tal forma que uma parte da gema caia sobre as claras, para dificultar a consistência em castelo. Deitar o açúcar nas claras antes de estas estarem firmes, para estragar tudo de vez. Derreter a manteiga, em vez de a bater com o açúcar. Misturar a farinha à balda, em vez de a ir deitando aos poucos sobre o resto. Basicamente, arriscar muito.
O segredo para a perfeição? Deixar a minha filha ajudar-me e fazer o bolo apenas porque ela, candidamente, me disse que lhe apetecia comer um bolo de chocolate.
E não é que ficou bonito e delicioso?

30/08/06

LIÇÃO COM AGRIÕES

Estava eu a passear pelas Azenhas-do-Mar, numa ruela escondida, quando vejo uma senhora de aspecto bem idoso surgir da ribeira quase seca, junto à pontezinha que eu acabara de atravessar, com um grande molho de verduras na cabeça.
Enquanto ela tirava o peso de cima e se preparava para subir a pequena encosta, aproximei-me e estendi-lhe a mão, para a ajudar. Ela recusou prontamente a minha ajuda, galgando a terra com destreza. «Isto... as pessoas às vezes pensam que ajudam e só atrapalham!»
Seguiu-se uma breve conversa, em que ela declarou que tinha andado a apanhar agriões. Eu sugeri que eram um bom petisco, mas que era preciso algum cuidado, tendo em conta que aquele ribeiro não devia ser propriamente limpo. Ela riu-se com ironia da minha ingenuidade e comentou: «Oh! Se a gente comesse isto, era uma hepatite na certa!»
Fiquei surpreendida... então para que apanhava ela verduras que não iria comer? Atrevi-me a perguntar, ao que ela me esclareceu: «Isto agora vai ser tudo migado e é para dar às galinhas.»
Senti-me envergonhada. Preocupada com questões de higiene, com receio de que a pobre senhora se fosse envenenar com agriões conspurcados, e ela dá-me uma lição tão simples, tão óbvia.
Nunca mais vou criticar o Noddy por não saber que as galinhas não têm dentes e não gostam de rebuçados!

29/08/06

uma pequena amostra


Só uma amostrazinha do texto que tenho de traduzir até dia 11 (e que tem 40 páginas):
“operacionalização da transversalidade, potenciando a transectorialidade por forma
a aumentar a capilaridade do sistema”.
Alguém tem alguma ideia de como se poderá rescrever isto em inglês? Melhor, alguém me pode explicar isto em português?
AAAAAAAAAAAAAAAARGH!!
E por causa de frases como esta já me chateei hoje com o cão e com a filha... :(

28/08/06

O misterioso pó amarelo

Há prédios cujos inquilinos se dão ao trabalho de espalhar um pó amarelo pelo chão, junto à parede exterior.
Presumo que seja para afastar os cães, que sistematicamente alçam a perna e deixam o seu nefasto cheiro impregnado nas paredes e até - porque a construção em Portugal assim o permite - nas janelas das caves, que se sucedem praticamente ao nível do chão da rua.
O que é curioso é que o dito pó não surte qualquer efeito, a julgar pelo comportamento dos cães que tenho a oportunidade de observar.
Para quê, então, gastar dinheiro a sujar o chão?

27/08/06

INTERMISSION


Finalmente, acabei as ilustrações. Ou quase, porque o livro ainda não tem capa e cá para mim ainda me vão telefonar a pedir para fazer mais essa. Mas por enquanto posso respirar e sentir-me aliviada por não ter de encarar uma página em branco acompanhada de lápis e pincéis. Até me preparava para gozar mais umas horinhas de praia, na semana que vem.
Mas eis que surge uma traduçãozorra, só para me aborrecer. Para me obrigar a ficar aqui sentada ao computador todos os dias nos próximos quinze. Que soda! Já dizia o Fócrates... Oops! :)

25/08/06

mal-estar

Esta semana encontrei-me quatro vezes, durante um total de 8 horas, com uma aluna que reprovei numa das disciplinas que lecciono. Eu tinha-me disponibilizado para ajudar quem quisesse estudar durante as férias para fazer exame em Setembro. Ela foi a única pessoa que resolveu aproveitar a minha oferta. Mantivemo-nos em contacto durante as férias e eu enviei-lhe alguns exercícios e corrigi as respostas que ela me mandou por email.
Esta semana, trabalhámos em regime de “explicações”. Revimos a matéria, dei-lhe mais exercícios, vimos as respostas juntas e até lhe fiz um exame de simulação, hoje, no qual ela teve nota negativa. Ficou desiludida, como é natural. Eu, confesso, já estava à espera desse resultado.
O que é que está a falhar?
A história repete-se e torna-se cansativa, ainda que o problema continue a ser sério de mais para que eu possa simplesmente encolher os ombros e dizer que a culpa não é minha. Ao fim de bastante esforço e treino, há muita gente que, como ela, pura e simplesmente não cumpre os objectivos. Escreve pessimamente e nem sabe porquê. Comete erros e não consegue identificá-los. Tem dificuldade em exprimir-se. Não consegue reformular uma ideia por palavras próprias. E por aí fora.
Motivos? Péssimas bases, anos e anos sem ler, falta de acompanhamento, falta de motivação para se auto-aperfeiçoarem, demasiadas distracções que só servem para agravar as lacunas, eu sei lá...
Por mais pena que eu tenha, não vejo como posso ajudar mais esta e outras pessoas na mesma situação. Espanta-me que acabem o primeiro ano do curso apenas com nota negativa na minha disciplina (por vezes também a Matemática). Se não sabem explicar um conceito, expor um ponto de vista, construir um texto!...
Não sei o que fazer. E o exame está aí à porta: caras de gente esperançada, nervosa. Sorrirem-me e declaram que se fartaram de estudar nas férias. Alguns dizem que o exame lhes correu bem, quando saem. Mas em muitos casos olho para as respostas e vejo logo três ou quatro erros que teriam sido corrigidos por eles, se tivessem feito uma leitura atenta do que escreveram antes de entregar o exame. Depois constato que não estudaram, que se limitaram a tentar decorar matéria mais uma vez, sem a compreenderem. Ou, pior, que fizeram um esforço para compreender, mas não conseguiram.Não imaginam o que isto tudo me incomoda, me transtorna, me dói.

24/08/06

ESCLARECIMENTO

Desculpem voltar a falar de Cramarinhos, mas tenho uma justificação importante a dar-vos. É que eu tinha prometido que publicaria qualquer coisa todos os dias (sim, eu sei, vocês não precisam que eu escreva todos os dias, mas deixem-me acabar) e ontem não publiquei nada.
Pois constato que mudei (é tão bom mudar para melhor!) depois das férias em Cramarinhos: antes, era escrava do meu blog e agora recuso-me a sê-lo. Há coisas bem mais importantes na vida – nomeadamente VIVER. Já não sinto a necessidade de me dedicar ao vício diariamente, é apenas isto. Tenho dito :)

BLÁ-BLÁ-BLÁ...

Há defeitos que se toleram nas pessoas. Sobretudo nas pessoas de quem se gosta e com quem se convive. Uns são mais difíceis de tolerar do que outros, claro. Espremer a pasta de dentes pelo meio, por exemplo, mal pode ser considerado um defeito, embora possa estar na base de alguns divórcios. Isto porque umas pessoas toleram muito melhor os defeitos alheios do que outras. Mesmo aqueles que são mais difíceis de aturar, como a tendência para dizer coisas.
Eu tenho uma forte e irritante tendência para dizer coisas, para falar só por falar. Até parece que o silêncio me incomoda, o que nem sequer é verdade. Não sei porque faço isso, tendo em conta que eu própria me apercebo de como sou chata, tendo em conta que me farto de me ouvir a mim própria!
Até podia dizer que o problema é genético e que a culpa é da minha mãe. Mas a partir do momento em que tenho consciência dele, não há desculpa para não tentar evitar esse comportamento. Porque, afinal, é apenas um comportamento e não uma mancha na pele.
Ontem massacrei o meu marido, durante a viagem para a praia, com esse habitual blá-blá.blá, a propósito de tudo em geral e de nada de especial. Fiz afirmações como se fossem grandes verdades que logo em seguida tive de admitir serem falsas. Disse disparates que não tiveram piada. Fiz comentários que já perderam a sua pertinência por terem sido repetidos até à exaustão. Preenchi o ar com palavras vãs e desnecessárias.
Quando ele me chamou a atenção para isso (ou fui eu que me lamentei por ser assim?), fiquei tão envergonhada, que me calei de repente. Depois, ele fez-me uma pergunta e eu não respondi, não por estar amuada, mas por me sentir tão ridícula por tudo o que havia dito, que só o silêncio absoluto parecia ser suficiente para me redimir.
«Também não é preciso exagerares!» – Comentou ele. Claro. O meu problema vai ser, precisamente, distinguir o que vale a pena dizer e o que não vale.

23/08/06

Costa Revisited

Hoje venci a preguiça e levei-me a mim e à minha filha à praia.
Foi bom e mau voltar à Costa da Caparica ao fim de tanto tempo.
Soube-me muito bem tomar longos banhos de mar, a água morna, as ondas matreiras, mas pequenas e divertidas. Foi delicioso ver a alegria dela, a baloiçar comigo no mar, a chapinhar nas poças, a brincar como se o tempo ali não contasse e o mundo tivesse sido inventado para nossa diversão. Surpreendeu-me a suavidade limpa da areia e a beleza discreta do contorno da serra, ao longe.
Mas é sempre triste constatar que a Costa podia ser uma bela zona de lazer, bonita e bem organizada, e não é mais do que um aglomerado de casario feio, clandestino, ou ambos, que só teria remédio se tudo o que lá está fosse demolido. Felizmente, nada se vê da praia senão mar - mar de gente feliz e mar de água salgadinha.
A interminável bicha para sair da praia às oito da noite fez-me pensar seriamente se valerá a pena lá voltar. Só se ficar para jantar... Boa ideia!

21/08/06

SER BANAL


Sempre esta sensação de ser demasiado explícita e racional.
Falta poesia ao que escrevo, falta subtileza às minhas análises das coisas, falta ambiguidade aos sentidos que construo - falta permitir que esses sentidos sejam antes construídos por quem lê (ou vê) e apenas sugeridos por mim.
Admiro a originalidade dos outros. Surpreende-me sempre e está fora do meu alcance, como o voo de uma pássaro colorido. Falta-me garra, falta-me classe.
É assim com o que escrevo, o que desenho, o que fotografo, o que digo, o que penso. Falta a tudo um levantar do chão, nem que fosse apenas por um breve instante. Falta a tudo um pouco mais de pó, de sonho, de indefinição.

19/08/06

ausência


A expectativa é enorme. Quando ela vai dormir a casa da avó, começo logo a pensar que vou ter horas intermináveis de paz e liberdade para descansar a cabeça e fazer só o que me apetece, nada mais. Tudo é finalmente possível! O que escolher, entre tantas opções?...
Mas assim que me vejo sem a minha filha, a tranquilidade tão desejada transforma-se num vazio sem graça, numa saudade quase dolorosa, como um ataque de comichão. Invariavelmente, sinto-me perdida. E acaba por não me apetecer fazer nada. O vazio é tão denso, que chego a pensar se conseguirei sobreviver quando ela um dia sair de casa. Tenho tanta vontade de voltar a abraçar a minha “bichinha gata”...

Ainda Cramarinhos


A casa de Cramarinhos transborda de mistério e magia.
Quando subo a estrada de terra batida, pelo monte que a esconde lá no alto, sinto sempre a mesma excitação de quando era menina, sobretudo se fizer a viagem de noite.
A perspectiva de encontrar um rato ou um morcego ao entrar em casa não me assusta nem me repugna. Pelo contrário, acho divertido cruzar-me com os inquilinos mais assíduos e sortudos: os que nunca precisam de vir embora de lá e que conhecem os cantos e recantos melhor do que ninguém.
O sossego, dia e noite, é total. A envolvência não podia ser mais idílica, se não fosse a casa referida num “post” anterior, que felizmente só se vê das traseiras.
Lá dentro, as paredes de granito, os livros antigos, as janelas de guilhotina, a velha mesa de bilhar, a adega atrás da insólita grade, que eu gostava de fingir que era uma cela de prisão, os misteriosos quartos das criadas, votados ao abandono, onde eu tinha receio de entrar, os armários embutidos nas paredes, dentro dos quais só se descobriam objectos estranhos e aparentemente inúteis, as portas que davam para passagens que pareciam secretas, tudo me encantava. E encanta ainda.
O mais interessante, porém, é a sua história. Estando na mesma família desde o início do século XIX, foi literalmente “desmontada”, como se fosse uma casinha de lego, em 1954, e transportada, em carros de bois, para o cimo do monte. Isto porque ficara subitamente encafuada, na vila, quase debaixo de uma estrada que foi construída nessa altura.
Felizmente, o dono tinha meios para levar a cabo esse capricho: tirá-la do lugar onde estava e pô-la num sítio mais bonito, longe do alcatrão e dos carros. A obra durou até 1960. E graças a ela, a casa conserva o seu sortilégio, num lugar que faz justiça à sua beleza natural.

18/08/06

ALGUÉM DISTANTE

Não é fácil homenagear alguém que se conheceu mal e cujos defeitos sempre foram mais destacados pelos outros do que as qualidades. Mas não consigo deixar passar a morte do meu tio Zé Manel sem escrever alguma coisa. Para mim, escrever é pôr os pensamentos em ordem e não me parece bem deixar em desordem o que pensei dele, o que senti nas poucas ocasiões em que estive com ele.
O tio Zé Manel elegeu-me, não sei bem porquê, enquanto sobrinha. E custa-me admitir que me tenha tratado tão bem, numa altura em que mal falava com a própria filha. Mas eu era nova de mais para o julgar, ou para recusar os seus amáveis convites para almoçar fora, com a namorada e o meu primo. Foi ele que me levou ao Cristo-Rei, num passeio que nunca mais esqueci.
À medida que fui crescendo, fui ouvindo e sabendo coisas pouco abonatórias daquele tio por afinidade que parecia prezar a boa vida acima de tudo, de preferência longe de quaisquer responsabilidades ou contrariedades. Já estava separado da minha tia desde que me lembro, por isso só o via quando ele tomava a iniciativa de me ir buscar para irmos passear os quatro. E eu adorava esses passeios.
O tio Zé Manel, para mim, era um homem incrivelmente jovem de espírito – aliás, também o era de aspecto. Parecia incansável na sua vontade de nos proporcionar momentos agradáveis, que nos fizessem apreciar os pequenos prazeres da vida, como um bom almoço ou uma vista bonita. Sempre me senti vagamente desconfortável por estar ali, no lugar que deveria ser ocupado pela filha, três anos mais nova do que eu, e que ele parecia fingir que não existia. Mas ele conseguia fazer-me sentir bem, por demonstrar verdadeiro gosto em ter-me ali, junto deles, como se fosse da família, quando na verdade não lhe era nada senão a sobrinha da ex-mulher.
Deixei de o ver há muitos anos, quando ele se zangou com o filho, com quem nunca mais falou.
Há dias, a minha mãe disse-me que ele tinha morrido subitamente, enquanto conduzia. Fui ao velório no dia seguinte de manhã e encontrei a capela vazia, com o caixão fechado.
Atarantada por estar na presença do tio Zé Manel, aquele homem que parecia um miúdo e agora estava ali dentro daquela caixa, prestes a ser cremado, hesitei. Pareceu-me que não seria adequado entrar. Mas depois não me apeteceu ficar ali fora, exposta ao ollhar curioso das senhoras que ali estavam a tomar conta. Entrei, sentei-me e resolvi encarar o espaço da sala, em vez de ficar de olhos baixos, como é costume, alheia a tudo, com medo de enfrentar a realidade da morte ali presente.
Conversei com ele, em silêncio. Agradeci-lhe a simpatia que sempre demonstrou comigo. E fiquei feliz quando a minha prima chegou e pudemos conversar um pouco, como nunca conversámos antes, sobre ele e sobre eles. Foi bom ouvi-la dizer que tinha boas recordações do pai, que a atitude dele mudara radicalmente quando ela fizera 18 anos e que nos últimos tempos se havia revelado um bom amigo e um avô extremoso.
Obrigada, tio Zé Manel. Por se ter empenhado também, afinal, em fazer a sua filha feliz. Porque isso é mais um motivo para eu o recordar com um sorriso.

17/08/06

LIXO À SOLTA


Fiquei espantada com a ausência de contentores de lixo pelas terras nortenhas por onde passei.
Concretamente, na estrada para Fafe, desde nossa casa até à cidade, não vimos nenhum, embora houvesse um"ecoponto", para vidro em embalagens.
Saíamos com o saco do lixo (não a pé, felizmente, porque já nos tínhamos apercebido dessa estranha contingência) e só conseguíamos deixar o saco após uns 3 quilómetros, neste caixote doméstico assinalado com uma placa igualmente doméstica que alguém fez o favor de ali colocar. E durante os cinco dias em que por lá passei, o lixo só se acumulou, nunca desapareceu.
Se quiséssemos encontrar um contentor daqueles verdes (como na capital se vêem com uma frequência que, se não é a desejada, pelo menos é suficiente), naquela estrada, que era principal, não havia nenhum. E em Fafe, além das papeleiras nos postes, o mais parecido que vi foi um caixote preto parecido com este. Não vi contentores de pedal em lado nenhum, enquanto estive naqueles lados, excepto em Guimarães.
Já me tinha apercebido de que no Porto as pessoas deixam os sacos de lixo às portas dos prédios, aos cantos das ruas, para serem recolhidos. Ali percebi que se passava mais ou menos o mesmo. Obviamente, não é um sistema nada higiénico.
Mas porque é que é assim no norte e não vejo que seja assim no centro e no sul, pelo menos pela minha experiência? Estranho...

16/08/06

GOSTOS TAMBÉM SE DISCUTEM


Um dia, há uns anos, cheguei a Cramarinhos e fiquei chocada. Tinham construído uma casa, mesmo em frente à nossa, bem ao estilo portuga: muito alumínio, muros de aspecto inacabado, em cimento, e os inevitáveis azulejos de casa-de-banho a embelezar a fachada.
Fiquei desolada. Onde antes só se viam matas frondosas de pinheiro, sobreiro e eucalipto, havia agora esta aberração que se vê na fotografia. Quando lá chegámos, mostrei a monstruosidade ao meu marido. «Já viste o nosso azar?», lamentei-me. «Logo foram fazer esta casa horrível em frente à nossa!» Mas ele relativizou: Para ti é horrível. Para os donos da casa está muito bonita assim.
Não digo que todos gostemos das mesmas coisas. Mas devia haver limites a partir dos quais já nenhuma variação seria admissível!

15/08/06

Férias em Cramarinhos


Ao fim da tarde, passear pelo bosque. Ver plantas diferentes, observar bichinhos estranhos, ouvir os estalidos das cascas de árvore, da caruma e das folhas secas sobre a terra, sob os nossos sapatos, que ficam admiravelmente sujos.
Sentir o sossego da natureza imperturbada, admirar os efeitos da luz dourada nos verdes e castanhos da terra. Tentar teimosamente captar a magia do momento, antes que o sol se ponha.

Férias em Cramarinhos

Depois do almoço, a sesta da Mecas. Paz total para os adultos. Namorar apaixonadamente noutro lado da casa, na intimidade fresca das portadas fechadas. Dormitar, embalados pela letargia da tarde, da temperatura - dentro e fora do corpo.
Reanimar lentamente. Uma urgência suave, mas insistente: aproveitar o momento, simplesmente para me sentir estar ali.
Sair de casa de máquina fotográfica em punho e deambular lá fora, procurando ângulos novos, enquadramentos bonitos. Reconhecer que a casa é para sentir e não para levar na mala, recortada em fragmentos a duas dimensões.

Férias em Cramarinhos


Ao almoço, dar-me ao trabalho de pôr a mesa lá fora, do outro lado do terreiro, para satisfazer o desejo da minha filha de fazer um piquenique naquela mesa de pedra tão convidativa.
Os bancos são troncos de árvores. Está calor, mas a sombra conforta-nos e a brisa ajuda a refrescar, assim como a cerveja gelada. Há fruta, sumo e croissants mistos. As moscas não são assim tão incomodativas, ao contrário do que agoirara a minha mãe. A tranquilidade é total. O sorriso dela faz-nos sorrir também.

14/08/06

Férias em Cramarinhos

De manhã, sair de casa em fato-de-banho, com a toalha e o creme, e subir até à piscina, que fica numa pequena elevação em frente à casa. Depois de um mergulho na água gelada e revigorante vinda dos confins secretos da terra, deitar-me a ouvir o vento suave fazendo ranger os troncos dos pinheiros, a queda ocasional de uma pinha, o restolhar das plantas. Admirar as alternâncias da ondulação serena da água reflectida nas árvores.

13/08/06

DE ANTENAS NO AR


Enquanto estive de férias (e tantos vizinhos meus também, que coincidência...!), os condóminos do prédio em frente aproveitaram a calmaria de Agosto para mandar instalar no telhado três antenas de aspecto respeitável. Consta que servem para amplificar o sinal dos telemóveis e que podem ser nefastas para a saúde de quem vive por baixo delas, num raio de não-faço-ideia-quantos metros. A ideia terá sido arranjar uma forma cómoda de ter o condomínio pago.

Nestas coisas, como sempre, há muito receio, muita especulação e muitos palpites. Mas a evolução da história é previsível: primeiro, gera-se a desconfiança, tem-se a certeza de que as antenas são perigosas, começamos logo a imaginar que daqui a uns anos haverá uma previsível incidência de cancro nas pessoas que vivem nas imediações, fala-se de casos em que isso aconteceu mesmo, noutras zonas do país, àquelas pessoas que são sempre "os outros" mas que de repente se tornam assustadoramente parecidas connosco.
Mas depois habituamo-nos às antenas, lembramo-nos de que em Portugal a justiça é lenta e burocrática de mais para que um processo destes tenha o andamento desejado e por isso concluímos que não vale a pena fazer nada, sabemos que o dinheiro compra e cala quase todas as bocas e que as outras acabam por se cansar de falar para o boneco. Alguém diz que há inúmeros prédios com antenas iguais e que ninguém ficou doente e que os microondas fazem pior à saúde.
E assim passamos a conviver com mais uma modernice que, pela habituação, acaba por nos parecer mesmo inofensiva. Até aparecerem provas em contrário.

DE VOLTA

Desta é que foi: estive 5 (cinco) dias sem tocar num computador e sem aceder à Internet, longe dos blogues e dos amigos virtuais. E SOBREVIVI!
Parece que já não vou precisar de me internar numa instituição para me curar do vício. Pelos vistos, quando as férias são a sério (ausência de preocupações, belas paisagens, excelente companhia e boa disposição), consigo afastar a blogosfera do meu pensamento. E ainda bem. Naturalmente, é um prazer enorme comunicar convosco. Mas é um alívio saber que consigo aproveitar aquilo que a vida me oferece sem depender de uma máquina que me faz alienar-me da realidade à minha volta. Porque é isso mesmo que por vezes acontece comigo. Convosco não?

08/08/06

INTÉ, NET!

Falhei redondamente no meu propósito de passar uma semana sem vir à Internet. Ah, é verdade! Não falhei nada! Eu nunca tive esse propósito...
Sou uma viciada assumida que não vê (nem quer ver) quais são os perigos do meu comportamento bloguista obsessivo.
Levei o portátil quando fui de férias para casa dos meus pais, pensando que poderia pelo menos ir escrevendo os textos que mais tarde publicaria no blogue. Mas tive a sorte de descobrir que havia uma vizinha generosa que oferecia acesso “wireless” à Internet nas redondezas. Foi o delírio! O sinal nem sempre dava para abrir os blogues, mas pude ir satisfazendo o vício de vez em quando e nunca precisei de vir de emergência a Lisboa para um “shotezinho” que me salvasse a vida.
Agora é que vão ser elas. Caí na asneira de decidir ir para uma quinta algures no norte do país, no alto de um monte, no meio de um pinhal, sem casas à volta. Nem me lembrei que a Internet ainda não vai connosco para todo o lado! Acho que foi o hábito... já não sei o que é viver sem ela.
Portanto, se na semana passada ainda pude ir mantendo a minha ligação com o mundo através deste singelo espaço (e de outros que visito e comento), desta vez o mais provável mesmo é que um silêncio sepulcral invada esta página até ao próximo domingo.

07/08/06

DIA 6





Passada a excitação inicial do reecontro, os miúdos tornam-se embirrentos. Nunca querem brincar todos às mesmas coisas. A mais nova pede a atenção da prima, que por sua vez segue o irmão mais velho e o primo da mesma idade. Estes repelem-na, por ser rapariga e ainda por cima mais nova. Preferem brincar sozinhos, embora também se zanguem, ou com o primo mais velho, que, por sua vez, vai aturando com paciência a natural infantilidade dos outros.
Sinto-me satisfeita por ser este o último dia de férias aqui. Está-se muito bem, é certo, mas seria tudo mais fácil e tranquilo com menos gente na mesma casa. Tenho pena da minha mãe, que se dispõe a ficar com todos os netos a seu cargo, para que eles não tenham de ficar em Lisboa com este calor. Ajudo no que posso e não há atritos entre nós. Mas apetece-me ter férias a sério. Vamos embora esta noite.

DIA 5





Grande confusão na piscina. Com todos os meus sobrinhos dentro de água, além de mim e dos meus irmãos, isto é uma autêntica colónia de férias. A voz da minha mãe apaga-se no meio de tanta gritaria e risota.
Ao almoço, parecemos uma família de italianos numa tragicomédia. Em média, há cinco conversas ao mesmo tempo. Como sempre, curiosamente, há um momento em que o meu cunhado tenta dizer-me alguma coisa, de frente para mim, do lado oposto da mesa, e eu não o consigo ouvir.
A Mecas recusa-se a ir dormir a sesta, porque isso significa perder duas preciosas horas de diversão com os primos. Eu diverti-me mais do que em qualquer outro dia, a saltar da borda para a prancha de body-board e a tentar aguentar-me de pé o máximo de tempo possível. Um rodeo aquático do melhor, mesmo sem espectadores.
Ao fim da tarde, a trabalheira do costume: arrumar almofadas, cadeiras, toalhas, mesas, para proteger a tralha toda da humidade nocturna. Depois dos duches, pôr as mesas no pátio para nove pessoas. Repetidamente elogiados, os petiscos da avó desaparecem das travessas em menos de nada. A boa disposição domina, apesar de pequeninas incompatibilidades, culpa de todos e de ninguém.
A Mecas vai para a cama, birrenta, mas cansadíssima. Arrumados os vestígios da comezaina, os miúdos ainda têm direito a ir até ao café do largo, comer um gelado. Os graúdos bebem um cafezinho. O cão acompanha-nos, bem comportado. Em chegando a casa, não há muitas hipóteses de lazer. Com os mais velhos e os mais novos já deitados, nós ficamos a ver se conseguimos aceder à net no portátil. Azar. Tenta-se amanhã.
(06.08.06)

DIA 4





O modesto riacho que corre por aqui nem tem direito a nome próprio. Está sujo, como todos os cursos de água que conheço, mas tem um encanto especial.
Hoje, no meu passeio matinal (às 11.30, entenda-se!), fiquei maravilhada com a quantidade de animais que animavam a paisagem. Por todo o lado esvoaçavam libélulas atarefadas, umas vermelhas, mais pequenas, outras azuis, enormes e majestosas. As rãs saltavam para dentro de água à minha passagem e as cobras de água agitavam-se no fundo. Andorinhas faziam voos picados em direcção à ribeira, indo e vindo com frenesim, e vespas cruzavam o ar à minha frente, por vezes tocando-me na cara e no pescoço (Don’t panic!). Lagartixas espreitavam nos muros, prolongando até ao último momento possível o tempo de exposição ao sol, antes de fugirem para os buracos entre as pedras. Isto para não falar de todos os outros insectos cujos nomes desconheço, mas que também ali estavam, voando ou rastejando.
As pessoas que passam na estrada, alheias a toda esta vida, parecem felizes, a caminho da praia. Os animais também, porque são ignorados. Está tudo bem assim.
(05.08.06)

05/08/06

DIA 3

Todos somos mais ou menos assim, suponho: gostamos que os outros aprendam a fazer as coisas à nossa maneira, porque nos parece que é a melhor, a mais lógica, a mais prática, a mais eficaz. Eu de certeza que sou assim. Não gosto de ser, mas admito que sou.
E este capricho pode ter requintes. Eu também sou requintada, na forma como uso uma retórica elaborada para convencer os outros, pela argumentação, de que devem realmente adoptar os meus métodos, escolher as opções que eu sugiro. Quem mais sofre, já se sabe, é o marido. Mas agora tenho o espelho caricatural à minha frente: vira-se o meu feitiço contra mim própria e vejo-me obrigada a sentir na pele o que ele sofre comigo.
O desafio do dia de ontem foi vencer a vontade persuasiva da minha mãe, que se manifestava nas mais diversas pequenas conversas, que se insinuava em todas as opções. Falhei simplesmente porque, quando as minhas escolhas coincidiram com as dela, senti que tinha cedido, e não que se tratara de uma coincidência. Realmente, ela convenceu-me a fazer o que ela queria. Não fui almoçar fora, como tinha planeado, porque ela achou que não era boa ideia. E tive de admitir que ela tinha razão.
Depois, uns amigos vieram passar a tarde connosco e queríamos levá-los a jantar fora. Éramos uma espécie de anfitriões da zona, que eles não conheciam de todo. A minha mãe avisou: «se querem ir jantar ao Saraiva, têm de marcar mesa!» Mas quem disse que eu queria ir jantar ao restaurante preferido dos meus pais? Claro que, para eles, é o melhor da região. Mas eu nem sequer gosto de lá ir. Falei aos meus amigos nas diferentes opções e eles ficaram com vontade de experimentar, precisamente, aquele com o qual os meus pais “embirram”. Senti-me como uma verdadeira rebelde por marcar mesa lá. E depois, com a inocência possível, convidei os meus pais a virem connosco. «Nem morta!» Respondeu ela prontamente. Era isso que eu queria ouvir.
Games people play...

COISAS DA MECAS

- Ó mãe, eu quero dormir com a Branca de Neve!
Fui buscar a Branca de Neve e o anão Dengoso, com que ela tinha estado a brincar.
- Ó mãe, eu não quero o setanão, quero só a Branca de Neve.

(03.08.06)

A Mecas aponta uma pistola de água para mim. Faz-me alguma confusão vê-la, pela primeira vez, com uma arma, mesmo sendo a brincar. Resolvo avisar:
- Pistolas são muito feias...
Ela é implacável:
- Mas eu sou má!

(05.08.06)

03/08/06

DIA 2

O mais difícil é ver-me ao espelho constantemente. Os defeitos que encontro nela são os meus, é verdade. Quando a oiço reclamar porque alguém deixou não-sei-quê desarrumado, até parece que sou eu que estou a falar. Quando ela vem ter comigo à casa-de-banho para me mostrar o bolor nos tachos do armário, para eu ver a “desgraça que lhe havia de ter acontecido”, percebo porque é que estou aqui a passar férias.
Não é apenas um teste à minha paciência e capacidade para manter a cortesia e a educação acima de tudo. É um confronto comigo própria. Eu não vou ser assim quando tiver a idade dela. Eu vou ser muito pior, porque já sou assim agora!
E quando eu e os meus sobrinhos nos rimos à socapa da forma como ela dramatiza os pequenos azares e se vitimiza a todo o momento por “tudo” lhe acontecer e toda a gente desarrumar e desajudar, eu sei que estou a rir de mim própria. E só me rio porque sei que ainda estou a tempo de mudar.

02/08/06

DIA 1

Acordámos com a inevitável pergunta da nossa filha («Já posso ir para a piscina?»), repetida até à exaustão, ou seja, até ao momento em que já não nos foi possível continuar a murmurar uma resposta evasiva e a virarmo-nos para o outro lado.
Fomos à mercearia da esquina comprar pão fresco e tomámos o pequeno-almoço no pátio. Irritei-me com ela por ter feito uma birra sem motivo e ter entornado o iogurte líquido por cima da mesa. Desnecessário, tudo. E não se pode desfazer uma zanga, mesmo uma zanga parva em plenas férias. Restou-me continuar a tentar que o espírito da tranquilidade levasse a melhor sobre mim.
Passámos o dia na piscina, só os três. Almoço de sopa, tostas e fruta. Foi bom podermos fazer tudo à nossa maneira, enquanto os meus pais não chegam à casa que é deles: pôr loiça a escorrer por cima da loiça que já estava seca, deixar pingas de água no lavatório, espalhar as toalhas desirmanadas pelas cadeiras piscina e comer na mesa mal posta, só com o essencial. Liberdade e sossego plenos.
Por volta das quatro, eles chegaram com os meus sobrinhos. Começa o desafio de partilhar o espaço com donos da casa (que além de serem exigentes ainda têm confiança e à-vontade para nos “desancar” à menor falha). Arrumei o quarto, a cozinha, tentei dar à casa o ar que ela tem quando eles cá estão, para que se sentissem bem. Ainda entalei um dedo numa cadeira, ao armá-la lá fora, para eles verem quando chegassem. Mas como estava sozinha, pelo menos pude praguejar!
Enquanto a nossa filha dormia, descobrimos uma ligação wireless deprotegida e fiquei contente por poder continuar a escrever aqui. Vamos a ver quanto tempo dura esta sorte...
Agora apetece-me ir ao bar da praia beber uma imperial para dar as boas-vindas à noite e às férias como deve ser. Mas, estupidamente, sinto que não devo. A minha mãe vai certamente precisar de ajuda para preparar o jantar e sentir-se-á “abandonada”.
É estranho, estar de férias e não poder estar descontraída. Sinto-me como se tivesse de andar em bicos dos pés, permanentemente com mil cuidados, para não acordar uma fera que estivesse a dormir ao meu lado!

01/08/06

FÉRIAS, PARA QUE VOS QUERO?

A maior parte das pessoas que trabalham fica, senão eufórica, pelo menos extremamente feliz quando chegam as férias. Eu não.
Agora tenho de ter cuidado a tentar explicar porquê, para que não tirem já a conclusão do costume: «pois, os professores não fazem nenhum o ano todo, por isso nem apreciam as férias como aqueles que trabalham a sério!».
De facto, admito que os meus horários são agradáveis. Sim, é verdade que não vou dar aulas todos os dias da semana. Pois, também confesso que, quando o ano lectivo acaba, o volume de trabalho diminui e os horários tornam-se ainda mais flexíveis. Finalmente, reconheço que as férias da Páscoa, do Carnaval e do Natal também me permitem descansar um bocadinho, pelo menos da obrigação de levantar às sete e meia da manhã.
Agora deixem-me falar, por favor! Eu ADORO o meu trabalho e, quando não estou a dar aulas, estou quase sempre a prepará-las ou a modificar e a tentar aperfeiçoar conteúdos, exercícios e metodologias. Nesse sentido, as férias agradam-me sobretudo por me oferecerem mais tempo para esse “trabalho de fundo” que nunca acaba.
Mas por isso mesmo, se eu as aproveitar, não são férias a sério. Na verdade, eu não gosto de descansar, de me afastar do trabalho por completo, de ir passar uma temporada na praia e esquecer tudo o que fiz ao longo do ano. Eu quero ficar no escritório de casa, à frente do pc e com vários livros à disposição, a fazer tudo o que não tive tempo para fazer durante o ano, ou tudo o que fui planeando fazer, ou tudo o que cheguei à conclusão, no final do ano lectivo, que ainda me falta fazer. Dá-me muito mais prazer fazer isso do que ficar espojada numa toalha a espalhar creme protector na pele. Coisa que, de resto, também não faço.
E depois, as férias têm outro grande inconveniente. É que não dão direito a pc com ligação à net. E eu gosto bastante de poder blogar de vez em quando, confesso. Na praia, como é que vou fazer isso?! Amigos e desconhecidos que me lêem: já estou com saudades vossas e ainda nem me fui embora. Até breve, espero! E boas férias para vocês, se as tiverem! Aproveitem para fazer aquilo que mais gostam de fazer, mesmo que não seja descansar!